quinta-feira, junho 20, 2013

Um cavalo encilhado - CARLOS RAMALHETE

GAZETA DO POVO - PR - 20/06

Essa onda de protestos parece para muitos um raio em céu claro, alternando aleatoriamente vandalismo e patriotismo sonhador, sem origem e sem destino que não uma vaga utopia. Coloquemos, assim, os pés cuidadosamente no chão e examinemos o que se passa.

Inicialmente, tratava-se de uma jogada política suja, um outro round do mesmo fenômeno dos assassinatos de policiais em São Paulo às vésperas das eleições municipais. O objetivo, desta vez, era um pouco mais ambicioso: arrancar do PSDB (único partido de esquerda que não é membro do Foro de São Paulo) o governo do estado. A desculpa, perfeita em seu utilitarismo, era o aumento da passagem de ônibus; bastaria o prefeito petista recuar para fazer-se de herói, enquanto o governador tucano teria de arcar com os custos políticos da repressão policial e do inevitável aumento do metrô, que pertence ao estado.

Os protestos, contudo, fizeram soar algo que parecia adormecido no âmago da juventude de classe média: um vazio completo de perspectivas e de objetivos além do material. Já dizia o poeta: “A gente não quer só comida; a gente quer saída para qualquer parte”. Essa juventude, hoje na faixa dos 20 anos, aprendeu nas aulas de marxismo aplicado que na escola dizem ser aulas de História, Geografia e Sociologia que é glorioso rebelar-se contra o poder. O único poder que conhecem, contudo, é o do PT, que ocupa a Presidência desde que se entendem por gente. O feitiço virou contra o feiticeiro.

E o movimento cresceu, passando a expressar não mais um objetivo político de curto prazo, mas a exasperação de toda uma geração com o Brasil que lhes foi preparado, em que a política é uma farsa, a economia é uma mentira e a cultura inexiste. Seus avós se levantaram da mesma maneira 49 anos atrás, renegando da mesma maneira as bandeiras vermelhas dos construtores de distopias assassinas. Ao contrário de hoje, contudo, havia então uma noção de algo a preservar. Havia justo temor, não exasperação.

Hoje, o que temos é um cavalo branco desgovernado, passando encilhado pelas ruas. Cada candidato ao poder o vê como seu, e sonha em montá-lo. Dilma e Lula já estão trancados com um marqueteiro, conspirando. Outros falsos messias estão esperando nas sombras.

Para que algo de bom surja desses protestos, compete a cada brasileiro, a cada jovem que partilha desta exasperação em massa, negar-lhes esta sela. Que o cavalo vá embora; que sua sela fétida não atraia mais que moscas. Não precisamos de salvadores, sim de paz social. Façamos, não deleguemos.

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