quarta-feira, junho 12, 2013

Gradual e inseguro - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 12/06

Roteiro da política econômica no governo Dilma se baseia em improvisação; perda paulatina de confiança exige medidas cada vez mais fortes


O personagem Mike, do romance "O Sol Também se Levanta", de Ernest Hemingway, responde de modo lapidar à pergunta sobre como se dera sua bancarrota: "Gradualmente, depois subitamente". A tirada se aplica bem ao limiar em que se acha a política econômica brasileira, questionada de forma cada vez mais contundente.

A improvisação tem sido a regra no governo da presidente Dilma Rousseff. A desfiguração das metas fiscais, a impressão de leniência com a inflação, os estímulos pouco eficazes ao consumo --já muito expandido-- de bens duráveis e o intervencionismo desastrado em setores importantes para o investimento formaram uma mistura indigesta.

O resultado está na letargia da atividade econômica. A média de crescimento do PIB nos primeiros dois anos de mandato da presidente foi de apenas 1,8%, e em 2013 o incremento não avançará muito mais (hoje se fala em 2,5% a 3%).

Nas últimas semanas, a erosão da credibilidade do governo ganhou velocidade. O estopim dessa deterioração veio do exterior, contudo: movido pela projeção de desempenho melhor da economia americana, o mercado financeiro já especula sobre quando o Fed (banco central dos EUA) começará a recuar na política de inundar a praça com estímulos monetários.

Nada que pareça iminente, é verdade. Afinal, o crescimento americano neste ano ainda ficará perto de 2%, e o desemprego permanece elevado. A mudança, que será lenta, pode vir apenas em 2014, mas, como se trata da maior economia do mundo, já provoca solavancos.

O dólar se fortalece, e com isso ganha corpo o fluxo de fuga de investimentos em títulos de países emergentes, que reflui para o porto seguro e para a promessa de melhores rendimentos nos EUA.

A pressão de venda provoca alta dos juros de longo prazo nos emergentes, para que seus títulos permaneçam atrativos. O fenômeno não se resume ao Brasil --sobem as taxas no México, na África do Sul e na Turquia, países que também se beneficiaram com a avalanche de capitais nos últimos anos.

No Brasil, há agravantes. A decepção com o crescimento e a constatação de que o cenário para os próximos anos é de aumento da dívida pública levaram a agência de avaliação de risco Standard & Poor's a sinalizar que pode rebaixar a nota de crédito brasileira.

O enredo da perda de confiança é conhecido e, como sugere a frase de Hemingway, pode surpreender com um desfecho indesejável. Antes que maiores prejuízos abalem a economia do país, é preciso devolver um mínimo de consistência à gestão macroeconômica.

Um passo decisivo partiu do Banco Central, que parece reconhecer a necessidade de voltar a combater de frente a inflação. Mas o BC, sozinho, não pode resolver tudo --ou tentará fazê-lo com juros estratosféricos e uma recessão.

A principal fragilidade do país, hoje, está nas contas públicas. O governo precisa comprometer-se sem meios-termos com a austeridade. Nada indica que a presidente esteja empenhada nisso.

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