sexta-feira, maio 10, 2013

Vá ter com as baleias, Andreotti! - BARBARA GANCIA

FOLHA DE SP - 10/05

Ascari, Fangio e Pininfarina já entraram para a história por terem o nome ligado a um veículo automotor


Foi no cruzamento das ruas Juan Manuel Fangio com John Surtees que eu conse­gui entender por que o saudosismo avacalha comigo de forma tão ex­traordinária. A epifania ocorreu na quarta-feira, em um canto da fábri­ca da Ferrari, em Maranello, na província de Modena, na Itália. O momento foi tão fugaz quanto re­velador, uma sensação que só quem já comeu muito mingau conhece.

Você irá me entender se já achou que aventura era encher os pul­mões com a fumaça de um Holly­wood sem filtro ao som libertador de Jimmy Cliff. Ou se já saiu acele­rando pela rua Augusta em direção ao Spazio Pirandello (segura firme aí, Massimo!) depois de dar umas talagadas de Lord Jim. Pois houve época em que ordenar o mundo pe­la expansão dos mercados e tratar valores como commodities seria considerado bem mais cafajeste do que fazer esse tipo de coisa.

E não venha tentando disfarçar. Domínio do mais forte só é lei ine­vitável da vida quando prevalece o cinismo. Ou quando surge uma tá­tica de impostura tão eficiente quanto essa esculhambação co­nhecida como discurso da ética da "sustentabilidade", que todos de­veríamos obrigatoriamente abra­çar em nome da salvação das filhas das putas das baleias que estão por nascer, em detrimento das que já nasceram e estão por aqui dando sopa. Essas que se danem, né não?

Ninguém liga a mínima, que mor­ram e virem ração para o meu totó ou cera para minha Louis Vuitton. Sim, porque eu desejo ardente­mente que ela reluza mais do que a bolsa Hérmès da minha vizinha --por sinal, ela também uma baleia filha da puta.

Dizia, marque bem pois é de suma importância, que fui tomada por uma espécie de catarse durante mi­nha visita à fábrica da Ferrari na se­mana (as fotos estão no Instagram @bgancia): Ascari, Nuvolari, Fan­gio, Dino, Enzo e Pininfarina são pilotos, designers, italianos ou não, que entraram para a história por terem o nome ligado a um veículo au­tomotor. Que é bem mais do que is­so, claro. Como nossa seleção é mais do que 22 pernas correndo atrás de uma gorducha. No caso, a Ferrari é a memória, inclusive afe­tiva, do italiano. São suas glórias, assim como estão depositadas, "faute de mieux", nossas provas de superioridade na seleção.

Entrei no avião do voo de conexão que nos levaria a Bolonha, onde es­tá o aeroporto mais próximo à sede da Ferrari, peguei o jornal do dia e vi a notícia da morte de Giulio An­dreotti, uma espécie de José Sar­ney italiano, homem que dominou a política de seu país por 40 anos e cedeu espaço a Berlusconi depois de ver seu nome ligado a escândalo que o envolveu com a máfia. Muitas suspeitas, poder em superabun­dância e alguns processos. Morreu aos 94 anos sem que nada fosse provado contra ele. Cheguei a pen­sar que nunca ganharia a Liberta­dores, digo, que jamais passaria desta para melhor.

Eram realmente tempos de sonho aqueles em que o nome Ferrari era o de um carro tão único e desejado quanto Sophia Loren. Nos dias de hoje seria impensável viabilizar es­se delírio economicamente, é ne­cessário o respaldo de chaveiros, casacos, videogames e canecas para dar sustentação à marca.

Por outro lado, a bisbilhotice que transformou o particular em públi­co tornaria 40 anos de Giulio An­dreotti no poder difíceis de repro­duzir em tempos de internet e wi­kileaks. Para cada moeda seu revés, meno male!

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