domingo, maio 12, 2013

Estagnação da indústria e queda dos investimentos - AFFONSO CELSO PASTORE

O Estado de S.Paulo - 12/05

O que explica a queda da taxa de investimentos e o baixo crescimento econômico brasileiro após a crise internacional? Os países industrializados ainda sofrem as consequências da crise internacional, com taxas de crescimento baixas (como é o caso dos Estados Unidos), ou permanecendo em recessão (como é o caso dos países da Europa), mas esse não é o caso da grande maioria dos países emergentes. O Brasil tem tido um desempenho pior do que a média dos países emergentes, mas não pode atribuir esse resultado à escassez de demanda, como ocorreu na recessão em 2008/09. O mercado de trabalho mostra evidências de pleno emprego e o consumo das famílias vem crescendo, negando a hipótese de escassez de demanda.

A solução para o nosso baixo desempenho não pode ser encontrada nas políticas contracíclicas recomendadas por um modelo keynesiano aplicável a uma economia com elevado desemprego e com escassez de demanda agregada. O baixo crescimento brasileiro atual vem das taxas baixas de investimento, desacelerando o crescimento do PIB potencial, e caracterizando um problema ligado à oferta agregada, e não à demanda agregada.

A partir da crise internacional, a economia brasileira tem mostrado duas características: estagnação da produção industrial; e baixas taxas de investimento. Estas duas características estão interligadas. A indústria não tem uma participação tão alta quanto o setor de serviços nem no PIB, nem no mercado de trabalho, mas é um setor intensivo em capital, e a queda na formação bruta de capital fixo tem um peso elevado na determinação do valor dos investimentos para a economia como um todo. Quer devido ao crescimento do custo unitário do trabalho, quer devido à valorização cambial, nos últimos anos caíram os lucros do setor industrial. Sem que as perspectivas de aumento de lucro melhorem, elevando as taxas de retorno esperadas sobre os investimentos em capital fixo, e sem que os lucros retidos contribuam para financiar uma parte importante dos investimentos, reduz-se a formação bruta de capital fixo, e não há como melhorar o desempenho da indústria.

Em parte, a queda de margens de lucro do setor industrial é uma consequência do comportamento do mercado de trabalho. Com a economia próxima (ou talvez acima) do pleno emprego ocorre a elevação dos salários reais. Um aumento de salários reais de 10% não elevaria os custos caso cada trabalhador produzisse em média mais 10%. No passado, os salários reais cresciam na mesma velocidade de aumento da produtividade média do trabalho. Os dados da Pimes (Pesquisa Mensal de Emprego e Salários) do IBGE mostram que entre 2002 e 2008 o custo unitário do trabalho flutuou preso a um patamar constante. Porém, a partir de 2010, os fortes estímulos à demanda agregada de bens e serviços geraram o crescimento acelerado da demanda derivada de mão de obra, elevando os salários reais muito acima do crescimento da produtividade. O contínuo crescimento do custo unitário do trabalho fez com que ele esteja, atualmente, em torno de 17% acima do seu nível nos primeiros meses de 2010.

Esse aumento de custos afeta tanto a indústria quanto o setor de serviços, mas este último não sofre a competição das importações, e tem uma maior liberdade de repassar os aumentos de custos para preços, o que explica o aparente paradoxo de termos uma inflação de serviços muito acima do crescimento dos demais preços ao consumidor. O fato de o setor de serviços ser naturalmente isolado do comércio internacional, enquanto que a indústria sofre uma maior competição das importações líquidas, acarreta uma segunda diferença: a valorização do real comprime as margens de lucro da indústria, reduzindo ainda mais a sua competitividade.

Se o governo quisesse recompor parcialmente a competitividade da indústria usando o câmbio, não poderia agir da maneira simplista como agiu a partir de maio de 2012, quando mudou o regime cambial. A depreciação do câmbio nominal sempre tem algum efeito sobre a inflação, mas ao depreciar o câmbio nominal mantendo a política fiscal expansionista e a taxa de juros baixa, o que se colhe é uma aceleração maior da inflação, como ocorreu a partir de maio de 2012.

Para ter sucesso, o governo teria de escolher outro caminho, no qual buscasse atingir o objetivo de depreciar o câmbio real com efeitos menores sobre a inflação. Para isso teria de depreciar o câmbio nominal, pondo em prática as necessárias austeridades - fiscal e monetária - para garantir a transmissão da depreciação do câmbio nominal predominantemente para o câmbio real. Não escaparia de elevar a taxa de juros, mas se optasse por uma política fiscal bastante austera, a elevação poderia ser um pouco menor, evitando o subproduto indesejável, diante do objetivo com relação ao câmbio, de atrair um maior ingresso de capitais. Por que isso seria necessário? A resposta está na natureza do câmbio real: ele é um preço relativo, entre bens tradables e non tradables, e para que o objetivo de recompor a competitividade da indústria fosse atingido, a relação câmbio salários teria de se elevar ou, em outras palavras, teria de ocorrer a queda dos salários reais em termos dos preços dos bens tradables.

Este não seria um ajuste passível de ser realizado em um prazo curto, e sim ao longo de extenso período. Ele não implicaria, apenas, em adotar a necessária austeridade fiscal e monetária, que transformasse a depreciação do câmbio nominal predominantemente em depreciação do câmbio real, mas também em realizar alterações estruturais importantes. Uma delas é a redução do grau de proteção na economia brasileira. Um nível elevado de proteção efetiva contribui para a redução do câmbio real de equilíbrio, e penaliza as exportações. Nos últimos tempos, temos nos esmerado em descobrir formas de proteger setores, criando uma estrutura caótica de proteção efetiva. Uma delas é a prática de provocar incidências de impostos de forma diferenciada sobre produtos nacionais e os substitutos importados.

Se essas alterações de política econômica fossem postas em prática, a indústria ganharia competitividade, elevando suas margens de lucro e voltando a investir, com claros benefícios para o crescimento econômico. Mas, a curto prazo, a necessária austeridade fiscal e monetária acarretaria o enfraquecimento do mercado de trabalho, com a queda dos salários reais.

Não é este, contudo, o caminho escolhido pelo governo. Sua opção tem sido por uma adesão quase religiosa ao modelo keynesiano de escassez de demanda, seguindo uma política fiscal expansionista, que eleva o consumo, mantendo as pressões sobre o mercado de mão de obra e sobre os salários. O governo reconhece que a competitividade da indústria está comprometida, mas em vez de atacar o problema de frente, porque teria custos políticos elevados vindos da queda de salários reais, prefere direcionar uma parte das desonerações de impostos para aliviar alguns setores da carga suportada pelo custo unitário do trabalho e pelo câmbio valorizado.

Com essa estratégia, o governo colhe a curto prazo os frutos do desemprego baixo e dos salários em crescimento. Isso ajuda a manter elevada a popularidade da presidente. Politicamente, chega ao resultado desejado, mas não progride na direção de acelerar a formação bruta de capital fixo e o crescimento do PIB, continuando a provocar o enfraquecimento do setor industrial.

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