O Estado de S.Paulo - 15/04
Um debate iniciado em março do ano passado no Supremo Tribunal Federal (STF) terminou na última quarta-feira com uma decisão sensata. Por 7 votos a 4, em sessão administrativa, a Corte derrubou a reprovável norma adotada em 2010, pelo seu então presidente, Cezar Peluso, segundo a qual os nomes dos investigados em inquéritos e dos réus em processos criminais ali instaurados passaram a ser mantidos em sigilo - ficando a sua identificação nos autos restrita às iniciais, mesmo quando a ação não corresse em segredo de Justiça.
A regra parece ter se originado da divulgação da abertura de inquérito contra o presidente do Banco Central à época, Henrique Meirelles. O caso foi arquivado, mas Peluso teria entendido que o episódio prejudicou a imagem da instituição no País e no exterior. O STF, como se sabe, apenas dá início a ações penais que digam respeito a autoridades detentoras do chamado foro privilegiado - notadamente, parlamentares federais, ministros de Estado ou a eles equiparados, presidentes da República e seus vices.
A omissão das identidades impedia que se conhecesse a possível ficha processual dos detentores daqueles cargos, porque excluía do rol dos processos aqueles em que somente as iniciais dos envolvidos constavam dos autos. Só em caso de condenação - uma raridade na história do tribunal - os nomes seriam dados a conhecer por extenso. A regra de ouro da publicidade dos atos dos Três Poderes ficou gravemente prejudicada, já não bastasse o uso abusivo do instituto do segredo de Justiça, originalmente restrito a processos nas Varas da Família para proteger os filhos de casais em litígio.
Ou, como lembrou o ministro Marco Aurélio Mello, um dos primeiros a se opor à medida, "a divulgação das iniciais pode ser prejudicial ao próprio envolvido, porque se passa a ver chifre em cabeça de cavalo, imaginar coisa pior". Além dele, votaram contra o sigilo os seus colegas Joaquim Barbosa, presidente da Corte, Celso de Mello, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Teori Zavascki e Carlos Ayres Britto (que se manifestara no ano passado, antes de se aposentar). Pela manutenção da norma, votaram os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski.
Na acalorada sessão de hora e meia, Fux foi o mais encarniçado defensor do uso mandatório das iniciais quando um inquérito é protocolado no STF. Mais adiante, distribuída a matéria, caberia ao ministro incumbido de ser o seu relator decidir se a identidade do suspeito deve ou não ser revelada. Ainda assim, assinalou, "a regra geral, tendo em vista que no inquérito não há acusação substanciosa, é autuar com as iniciais". De agora em diante será o inverso: inicialmente, constará o nome inteiro do inquirido, podendo o relator determinar o sigilo.
A principal voz pela extinção do anonimato foi a de Joaquim Barbosa. Desde que assumiu a presidência do colegiado, em novembro último, ele foi explícito em suas objeções ao sistema introduzido por Peluso. Na semana passada, manifestou o seu ponto de vista em plenário. Na sessão decisiva, lançou mão de um argumento simples - e irrefutável. Visto que a norma em todas as demais instâncias do Judiciário é a divulgação dos nomes, com a manutenção do registro pelas iniciais no STF "estaríamos estabelecendo um privilégio que só vale para pessoas que detêm prerrogativa de foro" - o que, em si, já distingue os beneficiados das pessoas comuns na esfera judicial.
De mais a mais, se os desiguais devem ser tratados desigualmente em determinadas circunstâncias, como é o caso do direito ao foro especial, não se pode perder de vista que, em relação aos detentores de cargos públicos, o princípio da publicidade - ou seja, o direito da sociedade de conhecer o que fazem e o que se passa com eles por força de sua própria condição - prevalece sobre o princípio da privacidade, que se aplica aos cidadãos em geral (e às autoridades, mas apenas no que toca à sua vida pessoal). É verdade que a reputação de uma figura pública pode ser indevidamente atingida, mas o mesmo vale para todos os envolvidos, com nome e sobrenome, em processos de grande notoriedade dos quais saiam absolvidos.
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