O recado da presidente Dilma aos responsáveis pela qualidade das casas do programa Minha Casa Minha Vida - "Não fui eleita para construir moquiço" - "mandou bem". Não precisou pompa e nenhuma cerimônia especial, bastou mencionar a qualidade dos pisos de cerâmica para definir o rumo de uma política pública. Como dizer não é fazer, pode dar certo ou não. Mas nesse caso ficou registrado que o governo consideraria inaceitável que as palavras sejam diferentes das coisas.
Na saúde, está valendo tudo, sequer a Constituição de 1988 oferece obstáculos às tentativas de arrancar nacos maiores do fundo público. A ausência de sinais explícitos do governo e a proliferação de ações de privatização permitem que cada grupo de interesse particular se apresente como o único, ou no mínimo o melhor defensor do interesse público. Só o que varia entre os lobistas é a proximidade com os centros de decisão. A intimidade com o palácio autoriza a emissão de discursos no estilo oráculo. As previsões sobre a "quebra" de empresas e hospitais e caos na prestação de serviços essenciais, ou a respeito de como a saúde no Brasil será fantástica, desde que mais recursos públicos sejam generosa e seletivamente transferidos para esses adivinhadores, são exageros típicos das visões de futuro oferecidas pelas premonições. Oráculos emaranham omissões, informações enviesadas e desejos. São incapazes de prever vias alternativas, efeitos inesperados de revelações.
As proposições para obter mais recursos públicos para empresas de planos de saúde, hospitais e unidades de diagnóstico privados desvelaram, para quem ainda tinha dúvidas, um mercado dependente do Estado. Quem sempre está por cima da carne-seca não vacila: mudam os tempos, trocam-se os templos. Antes o mercado era superior ao Estado, agora nada é mais lógico do que precisar recursos públicos para ser privado. Mas, para aqueles que acreditaram na conversa fiada da separação entre Estado e mercado, que os planos privados faziam bem ao SUS, o assunto é muito sério e preocupante. Se as reivindicações do autodenominado mercado competem com as necessidades de valorização e verbas governamentais para Santas Casas, hospitais universitários, estados e municípios, como encontrar um jeito para dar mais recursos só para alguns?
Interesses divergentes na saúde vêm sendo manejados como abóboras grandes e pequenas numa carroça, se acomodam conforme os solavancos do caminho. A marcha da política de saúde, embora lentíssima, mas sem interrupções, dependeu da articulação dos grupos empresariais com partidos e lideranças políticas, investimentos das empresas em litigações judiciais e de um esforço governamental, consciente ou não, para evitar a todo custo o debate sobre a saúde e não sobre o dinheiro para a saúde. As oportunidades de contato com a Presidência da Republica e com os gabinetes ministeriais estão diretamente correlacionadas com o vulto dos recursos públicos solicitados e não com os problemas de saúde a serem resolvidos. Entidades de diversos segmentos da saúde foram convocadas uma única vez para uma reunião conjunta, antes da posse de Dilma, depois nunca mais.
Por que não convidar todos os comensais de recursos públicos envolvidos com saúde para se sentarem juntos à mesa para examinar as alternativas para o sistema de saúde brasileiro, inclusive aquelas que estão sendo negociadas mano a mano? Uma simples inversão nos termos do que tem se discutido nos últimos dias já imprimiria um ritmo mais veloz e moderno à gestão das necessidades de saúde. Se a saúde e a vida são tão valiosas e deixar de ofertar atenção e cuidados a todos que necessitarem é injusto, a garantia efetiva desse direito requer que todos, direta e indiretamente afetos à prestação de ações e cuidados, assumam compromissos sanitários.
Aumentos dos planos de saúde, superiores à inflação geral e setorial, o pagamento por procedimentos e diferenciado conforme o órgão afetado e pela quantidade e marcas de órteses, próteses e de alguns equipamentos e medicamentos estimulam uma falsa produtividade, e não a responsabilidade pela resolução dos problemas de saúde. Qualquer conta de trás para a frente evidencia que a desoneração de empresas privadas de saúde não salva a pátria. Em vez de calcular quanto deveria ser repassado para salvar as empresas, deveria ser equacionado o impacto dos planos de saúde nos orçamentos das famílias. O que está acontecendo é que o diferencial de elevação das despesas com saúde, especialmente para idosos, impede inclusive que o aumento da renda seja plenamente comemorado. As enormes e crescentes proporções de salários e aposentadorias gastos com saúde constituem um problema que não pode ser contornado.
As palavras planos e empresas não deveriam servir para encobrir coisas cujo conteúdo e continente são exclusivamente financeiros. A confusão serve para manter uma divisão de trabalho totalmente desfavorável à saúde pública. O combalido e subfinanciado SUS fica com as tarefas de enfrentar problemas de crack, álcool, saúde mental, dengue, violências, atendimentos de emergência, cânceres, transplantes e fornecimento de medicamentos. Quando não consegue é incompetente. Quem não pede dinheiro e expõe ideias e conhecimentos sobre a organização do sistema de saúde vive levando passa-fora, pelo excesso de "filosofia", por querer difundir valores e pautar políticos segundo critérios de justiça social. Os empresários da saúde ficam com o atendimento de jovens, dos não portadores de doenças crônicas e de preferência transformarão o SUS em empresa mal gerida, mas funcional para ressegurar os planos sem cobertura. A frase de Lloyd George, em 1918, então primeiro-ministro da Inglaterra ("Como erguer um império A1 com uma população C3?") no contexto da guerra e consolidação do seguro social e necessidade de dar respostas aos problemas de saúde dos militares e civis entrou para a história. Não precisaria chegar a tanto. Dizer que o teto e piso do SUS ficam de pé, que saúde não é moquiço, está de bom de tamanho.
Na saúde, está valendo tudo, sequer a Constituição de 1988 oferece obstáculos às tentativas de arrancar nacos maiores do fundo público. A ausência de sinais explícitos do governo e a proliferação de ações de privatização permitem que cada grupo de interesse particular se apresente como o único, ou no mínimo o melhor defensor do interesse público. Só o que varia entre os lobistas é a proximidade com os centros de decisão. A intimidade com o palácio autoriza a emissão de discursos no estilo oráculo. As previsões sobre a "quebra" de empresas e hospitais e caos na prestação de serviços essenciais, ou a respeito de como a saúde no Brasil será fantástica, desde que mais recursos públicos sejam generosa e seletivamente transferidos para esses adivinhadores, são exageros típicos das visões de futuro oferecidas pelas premonições. Oráculos emaranham omissões, informações enviesadas e desejos. São incapazes de prever vias alternativas, efeitos inesperados de revelações.
As proposições para obter mais recursos públicos para empresas de planos de saúde, hospitais e unidades de diagnóstico privados desvelaram, para quem ainda tinha dúvidas, um mercado dependente do Estado. Quem sempre está por cima da carne-seca não vacila: mudam os tempos, trocam-se os templos. Antes o mercado era superior ao Estado, agora nada é mais lógico do que precisar recursos públicos para ser privado. Mas, para aqueles que acreditaram na conversa fiada da separação entre Estado e mercado, que os planos privados faziam bem ao SUS, o assunto é muito sério e preocupante. Se as reivindicações do autodenominado mercado competem com as necessidades de valorização e verbas governamentais para Santas Casas, hospitais universitários, estados e municípios, como encontrar um jeito para dar mais recursos só para alguns?
Interesses divergentes na saúde vêm sendo manejados como abóboras grandes e pequenas numa carroça, se acomodam conforme os solavancos do caminho. A marcha da política de saúde, embora lentíssima, mas sem interrupções, dependeu da articulação dos grupos empresariais com partidos e lideranças políticas, investimentos das empresas em litigações judiciais e de um esforço governamental, consciente ou não, para evitar a todo custo o debate sobre a saúde e não sobre o dinheiro para a saúde. As oportunidades de contato com a Presidência da Republica e com os gabinetes ministeriais estão diretamente correlacionadas com o vulto dos recursos públicos solicitados e não com os problemas de saúde a serem resolvidos. Entidades de diversos segmentos da saúde foram convocadas uma única vez para uma reunião conjunta, antes da posse de Dilma, depois nunca mais.
Por que não convidar todos os comensais de recursos públicos envolvidos com saúde para se sentarem juntos à mesa para examinar as alternativas para o sistema de saúde brasileiro, inclusive aquelas que estão sendo negociadas mano a mano? Uma simples inversão nos termos do que tem se discutido nos últimos dias já imprimiria um ritmo mais veloz e moderno à gestão das necessidades de saúde. Se a saúde e a vida são tão valiosas e deixar de ofertar atenção e cuidados a todos que necessitarem é injusto, a garantia efetiva desse direito requer que todos, direta e indiretamente afetos à prestação de ações e cuidados, assumam compromissos sanitários.
Aumentos dos planos de saúde, superiores à inflação geral e setorial, o pagamento por procedimentos e diferenciado conforme o órgão afetado e pela quantidade e marcas de órteses, próteses e de alguns equipamentos e medicamentos estimulam uma falsa produtividade, e não a responsabilidade pela resolução dos problemas de saúde. Qualquer conta de trás para a frente evidencia que a desoneração de empresas privadas de saúde não salva a pátria. Em vez de calcular quanto deveria ser repassado para salvar as empresas, deveria ser equacionado o impacto dos planos de saúde nos orçamentos das famílias. O que está acontecendo é que o diferencial de elevação das despesas com saúde, especialmente para idosos, impede inclusive que o aumento da renda seja plenamente comemorado. As enormes e crescentes proporções de salários e aposentadorias gastos com saúde constituem um problema que não pode ser contornado.
As palavras planos e empresas não deveriam servir para encobrir coisas cujo conteúdo e continente são exclusivamente financeiros. A confusão serve para manter uma divisão de trabalho totalmente desfavorável à saúde pública. O combalido e subfinanciado SUS fica com as tarefas de enfrentar problemas de crack, álcool, saúde mental, dengue, violências, atendimentos de emergência, cânceres, transplantes e fornecimento de medicamentos. Quando não consegue é incompetente. Quem não pede dinheiro e expõe ideias e conhecimentos sobre a organização do sistema de saúde vive levando passa-fora, pelo excesso de "filosofia", por querer difundir valores e pautar políticos segundo critérios de justiça social. Os empresários da saúde ficam com o atendimento de jovens, dos não portadores de doenças crônicas e de preferência transformarão o SUS em empresa mal gerida, mas funcional para ressegurar os planos sem cobertura. A frase de Lloyd George, em 1918, então primeiro-ministro da Inglaterra ("Como erguer um império A1 com uma população C3?") no contexto da guerra e consolidação do seguro social e necessidade de dar respostas aos problemas de saúde dos militares e civis entrou para a história. Não precisaria chegar a tanto. Dizer que o teto e piso do SUS ficam de pé, que saúde não é moquiço, está de bom de tamanho.
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