sexta-feira, janeiro 25, 2013

Um tapinha na fachada - HUMBERTO WERNECK


O Estado de S.Paulo - 25/01


Quando São Paulo fez 450 anos, em 2004, vieram me pedir, a mim e a outros 449 moradores da cidade, uma frase para estampar nas estações do metrô. Não precisei pensar muito:

"Danada de feia - mas cozinha como poucas!"

Nove anos depois, vejo razões para pôr ainda mais ênfase na segunda afirmativa, e me dispenso de repetir que em raras cidades deste mundo se come bem como aqui. Quanto à primeira parte da frase, bem... - sou obrigado a admitir que infelizmente também ela continua valendo.

Permita essa reclamação, pra lá de óbvia, da parte de quem apesar de tudo não tem motivos para abandonar a cidade que o acolheu faz mais de 40 anos. Não queira mal ao forasteiro que tanta coisa boa, em especial dois filhos e uma neta, vieram paulistanizar irreversivelmente.

São Paulo já me pareceu assim, minuciosamente feia, naquele 16 de maio de 1970 em que desci na medonha rodoviária velha, ali na Luz, sob um teto cafona de bolhas coloridas. Não que eu viesse de algum lugar maravilhoso. Não mesmo: a Belo Horizonte de então caprichava em desmentir o adjetivo que traz no nome. Depois tomou jeito, ou quase. Devo reconhecer que minha cidade melhorou depois que saí de lá...

Sem que eu tenha feito grande coisa para isso, São Paulo também melhorou, mais por mérito dos cidadãos do que pelos administradores que tem tido. Ainda está de pé, é verdade, o Minhocão, ou o viaduto da Praça 14 Bis, duas monstruosidades entre várias. Mas pelo menos já se fala em desfazer o que o Maluf fez num tempo em que, debaixo das botas, ninguém ousava abrir o bico para questionar o que se fazia.

Deveria existir alguma coisa como, sei lá, um Conselho da Beleza Urbana, para prevenir aberrações e tentar remediar as que aí estão. Trabalho é o que não lhe faltaria. E já nem penso na feiura lancinante da miséria, mas na feiura endinheirada dos prédios que a mediocridade e a cobiça não cessam de espetar na paisagem. Muitos deles, aliás, com denominações pretensiosas do tipo "maison" ou "château" - postas, dá pra perceber, por nouveaux riches cujo francês, mesmo com tanta viagem, parece não ir muito além de bonjour, petit-pois e maionese. Para cada Artacho Jurado, Rino Levi, Vilanova Artigas, Lina Bo Bardi, Paulo Mendes da Rocha, Márcio Kogan ou Isay Weinfeld, tome fartura de horrores arquitetônicos.

Quanto a isso, é claro que pouco se poderia fazer. Nem que uma nova ditadura nos impusesse um Maluf do bem, pois mesmo em boa causa não se justifica uma censura estética. Alguma coisa, porém, sempre se poderia tentar, ainda que no vasto rol das miudezas, sob a forma de iniciativas que, somadas, viriam atenuar a estridente feiura de São Paulo.

Boas ideias não faltariam. Minha amiga Wanda acha que umas fontes, não necessariamente luminosas, trariam à cidade um frescor também visual. O cronista Ivan Angelo sugeriu que nas calçadas se plantassem árvores frutíferas, provedoras de sombra e gostosura. Um pouco como Belém, cujas ruas há mais de um século de encheram de mangueiras. Motivo já não haveria, pelo menos, para chorar as pitangas.

De minha parte, ficaria bem feliz se se desse força à ideia de enterrar a fiação aérea. Não sonho em oscarfreirizar tudo quanto é rua e avenida, mas seria uma bênção se nos livrássemos do máximo de fios e cabos. Com eles, sumiriam postes, e aposto que nem os cães reclamariam. Só peço que deixem onde está um postezinho de ferro esquecido aqui nas vizinhanças, pequeno, esguio, elegante, tendo no topo a torneira do gás com que muito antigamente se iluminava aquele trecho da Cardoso de Almeida.

Com os postes, sumiriam os deprimentes novelos de cordas e barbantes neles enrolados pelos penduradores de faixas. E já não haveria como pendurar também esses absurdos pares de tênis que por aí balangam sobre nossas cabeças.

Nada tão sensacional quanto pôr abaixo o Minhocão. Mas já seria um tapinha na fachada dessa dona que, até por cozinhar como poucas, bem podia ser mais graciosa.

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