O GLOBO - 20/01
A troca de comando na Câmara e no Senado é oportunidade para o Legislativo aperfeiçoar o sistema político e mudar o padrão de relacionamento com o Executivo
Aproxima-se mais uma troca de guarda no comando do Congresso e, como tem sido rotina, sem maiores perspectivas de que o Poder Legislativo dê algum salto de qualidade. Mas não precisa ser assim.
Em obediência ao regimento, os partidos de maior bancada, PMDB e PT, se alternam na presidência da Câmara e Senado, e tudo tem continuado na mesma, inclusive a oposição em seu já conhecido estado de catalepsia.
Difícil haver alguma surpresa na eleição para presidente da Câmara e Senado do deputado Henrique Alves (RN) e senador Renan Calheiros (AL), ambos do PMDB. A base do governo deve ter aprendido a lição de não se dividir nessas horas, recebida na eleição para a presidência da Mesa da Câmara do azarão Severino Cavalcanti, forçado a renunciar para escapar da cassação.
Henrique Alves e Renan Calheiros carregam biografias que os tornam alvos de denúncias, mas têm experiência suficiente para construir uma agenda de peso no Congresso. E trabalho não falta. Em vez de repetirem como mantra o discurso da “judicialização” da política, as lideranças no Congresso precisam entender que a Justiça atua em funções supostamente legislativas porque o Legislativo tem se omitido.
As novas Mesas de Câmara e Senado podem mudar este jogo. Para começar, por exemplo, devem fixar um novo padrão de relacionamento com o Executivo, uma espécie de tutor do Congresso por meio do instrumento distorcido da Medida Provisória, pelo qual o Legislativo foi transformado em cartório carimbador de decisões tomadas em Palácio. Há normas que, cumpridas, por si só dariam ao papel do Congresso o realce que precisa ter. Se precisarem de novas regras, que sejam criadas. A discussão e a aprovação do Orçamento, uma das tarefas mais importantes do Legislativo, requerem ajustes para que não apenas os números sejam confiáveis, como também haja debate efetivo sobre prioridades.
É tema cativo na pauta das duas Casas a “reforma política”. Henrique Alves e Renan Calheiros podem adotar a tática que o Planalto tenta aplicar a mudanças tributárias — fazer aos poucos, em “fatias” — e seguir o mesmo caminho no campo político. O país não necessita mesmo de uma reforma estrutural, heroica, mas de um plano de mudanças minimalistas e muito eficazes: por exemplo, retomar o projeto da cláusula de barreira a legendas nanicas sem representatividade, para melhorar a qualidade da política de alianças; e proibir a coligação em eleições proporcionais, em que o eleitor vota mas não sabe quem elegeu. O resultado das medidas será o fortalecimento dos partidos, base da democracia. E, revigorados os partidos, a consequência será a mudança de nível no relacionamento com o Executivo, tornando-a menos fisiológica.
O sentido do mandato de Renan e Henrique Alves, insista-se, precisa ser conseguir maior autonomia do Congresso em relação ao Executivo. Esta seria de fato uma agenda suprapartidária.
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