sexta-feira, janeiro 18, 2013

Antes, a Justiça - JORGE DA CUNHA LIMA

FOLHA DE SP - 18/01


Se a Justiça amadureceu mais do que os protagonistas do mensalão, tanto melhor, porque é com as instituições que se consolida uma nação


O julgamento do mensalão mudou o destino dos julgadores, dos julgados e do próprio Direito Penal brasileiro. Nosso Direito Penal visa primordialmente proteger os valores da vida, a propriedade pública e privada e o convívio civilizado dentro da sociedade. A vida é protegida de forma cabal.

É inadequado julgar sem provas materiais crimes de sangue, ou de violência sem morte, ou contra a dignidade do cidadão. Os crimes comuns, praticados contra o patrimônio privado, roubo ou furto, exigem também a materialização das provas.

Os crimes contra o patrimônio público recebem o nome genérico de corrupção. Apesar de Fernando Collor de Mello ter extinguido o cheque ao portador, que era a moeda corrente da corrupção e dos cruzamentos de informação, possibilitados pela tecnologia digital, há uma enorme dificuldade de materialização das provas de corrupção.

São tão poucas as punições desse tipo de crime na Justiça brasileira, que há uma convicção da sociedade sobre a impunidade de seus autores. Ninguém materializa autorizações delituosas, ninguém promove licitações e concessões sem os devidos aparatos jurídicos. Há os incautos que transportam dinheiro nas cuecas, em malas pretas para encontros em hotéis ou esposas ingênuas que retiram valores em bancos como se estivessem comprando um eletrodoméstico.

Mais habitual é aproveitar as impropriedades da legislação para transitar dinheiro pelos cofres dos partidos antes de redistribuí-lo a militantes selecionados, envolver bancos, agências de publicidade e empreiteiras que possuam experiência e têm válvulas de evasão e legalização de dinheiro.

Quando o mensalão foi denunciado por Roberto Jefferson, constituiu um escândalo sem precedentes, sem que ninguém exigisse provas. Um escândalo se impõe ou não se impõe perante a sociedade. O mensalão se impôs.

O tempo passou, Lula se reelegeu. Fez dois bons governos. A oposição continuou quieta, não mais por zelo democrático, mas por incompetência. A Justiça, contudo, continuou lentamente abrigando as graves denúncias do procurador-geral: quadrilha de 40 ladrões.

Lula sempre desqualificou as acusações, mas foi o primeiro a condenar José Dirceu, demitindo-o da Casa Civil. Mais tarde, entendeu que o PT precisava renovar seus quadros, porque os companheiros já tinham saído do baralho. Lançou Dilma Rousseff e Fernando Haddad, bem fora dos quadros de suspeição, e ganhou as eleições.

Só faltava, no tabuleiro do tempo, o julgamento do mensalão. Penalistas e réus aparentavam tranquilidade: prescrições, exigência de provas e impunidade tradicional. Os cheques foram dados aos partidos para pagamentos de dívidas eleitorais. Caixa dois, tudo bem, mas caixa dois nunca foi crime no Brasil.

O ministro Joaquim Barbosa sabia isso tudo na ponta da língua. Sabia também que essa era uma das últimas oportunidades de reinventar o Direito Penal brasileiro. Dispensou citações e a jurisprudência quase inexistente para o caso. Louvou-se dos fatos, das evidências e das ocorrências e produziu um relato verossímil das ações praticadas pelos envolvidos. Levou a Corte a uma convicção inabalável de que esses fatos existiram e os acusados foram condenados.

Está fora de questão que Lula consagrou-se em seus dois mandatos, que o deputado José Genoino sempre despertou simpatias, assim como a adolescência heroica de José Dirceu. Se a Justiça amadureceu mais do que esses protagonistas, tanto melhor para o Brasil, porque é com as instituições que se consolida uma nação.

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