domingo, dezembro 02, 2012

Quem sabe faz a hora - DORRIT HARAZIM


O GLOBO - 02/12

É oportuno relembrar, uma década depois de ocorrida, a memorável entrevista concedida em 2002 à CNN por Martina Navratilova, até hoje considerada a maior tenista de todos os tempos. À época, a atleta já havia vencido o torneio de Wimbledon nove vezes - feito jamais replicado por outro tenista -, ganhara 59 títulos do circuito Grand Slam, se aposentara e entrara para o panteão do esporte.

Martina estava com 46 anos, o ocupante da Casa Branca se chamava George W. Bush e a América se enfronhava a passos largos no conservadorismo social e político que se seguiu ao atentado às Torres Gêmeas, ocorrido no ano anterior.

Ardia nos ouvidos americanos um comentário feito pela tenista sobre suas duas pátrias - nascida na Tchecoslováquia sob domínio soviético, ela se exilara nos Estados Unidos aos 18 anos, durante o U. S. Open de 1975, e era cidadã americana. "Um dos aspectos mais absurdos da minha fuga de um sistema injusto", declarara Martina a um jornal alemão, "é que troquei um que oprime a liberdade de expressão por outro". Disse mais: "Os republicanos, nos Estados Unidos, manipulam a opinião pública e varrem para debaixo do tapete questões controversas. É deprimente."

Martina foi então convidada a esclarecer seu comentário num dos principais programas de entrevistas da CNN, comandado pela apresentadora Connie Chung. O diálogo que se seguiu, resumidamente, é um espanto:

- Obviamente eu não quis dizer que aqui temos um regime comunista - explicou a tenista. - Mas acho, sim, que desde o atentado do 11 de Setembro estamos vendo aqui uma grande centralização de poder. O cidadão americano está perdendo parte de seus direitos.

A jornalista, por seu lado, admitiu ter considerado as declarações não patrióticas. "Tive vontade de dizer ´volte para a Tchecoslováquia´ se você não está satisfeita neste país que te deu tanto, inclusive a liberdade."

- Pois eu considero que estou devolvendo o que recebi ao emitir minha opinião, ao me manifestar - rebateu Martina.

- Entendo que você pense assim, mas poderia manter privadas suas ideias. Por que despejar tudo isso em público sabendo que, por você ser uma celebridade, a repercussão será grande? - prosseguiu a jornalista.

- Como mulher, como lésbica e como atleta mulher saltei vários obstáculos. Acho que tenho o dever de opinar em público.

- Mas você não é política. Não ocupa nenhum cargo público nem de poder.

- Por que você quer me mandar de volta para a Tchecoslováquia? Eu moro aqui. Amo este país. Vivo aqui há 27 anos e pago impostos aqui há 27 anos. Tenho o direito de me manifestar. Por que isso seria não patriótico? - quis saber Marina.

- Existe uma expressão antiga [neste país]: ame-o ou deixe-o", respondeu Connie Chung, sem rodeios.

Algumas coisas mudaram, de lá para cá, a começar pela CNN. Outras não. Igualar dissenso com falta de patriotismo, decretar qual imigrante deve poder ou não permanecer no país continuam a pontuar os discursos da ala mais conservadora da América. Apenas em tom mais camuflado.

Uma reviravolta social profunda na vida americana - a lenta e gradual aceitação do casamento gay -, que também envolve Martina Navratilova, avançou muito.

Foi na mesma entrevista de 2002 que ela confirmou considerar a possibilidade de adotar uma criança. Lésbica assumida desde os 25 anos de idade, Martina defendia publicamente os direitos civis dos homossexuais desde os pré-históricos anos 1980. Mas dado o seu currículo de relações amorosas tempestuosas o desejo ficou incubado por uma década. Foi só poucos meses atrás que a atleta, hoje com 56 anos e morando em Paris, comunicou ter formado oficialmente uma família. Assumir as duas filhas da escultural companheira Julia Lemigrova, com quem vive há seis anos.

Falta-lhe um fecho, contudo. É da grande dama do teatro e do cinema americano, Katherine Hepburn, o que considera o conselho mais útil já recebido: "O que importa não é o que você faz na vida, é o que você consegue completar." Para Martina falta conquistar a legalização do casamento de pessoas do mesmo sexo, com todos os direitos civis a ele atrelados. "É apenas uma questão de tempo", garante ela.

A história parece lhe dar razão. Na tarde de sexta-feira passada os seis homens e três mulheres que compõem a Suprema Corte dos Estados Unidos reuniram-se em sessão fechada para decidir se aceitam pronunciar-se sobre o casamento gay. São necessários quatro votos para que seja aceito cada um dos 10 casos aguardando avaliação. Todos eles contestam a constitucionalidade da restrição do casamento à "união legal entre um homem e uma mulher".

No decorrer dos últimos dez anos, nove dos 41 estados americanos se pronunciaram a favor do casamento gay - seja através de votação popular, seja através de tribunais ou medidas legislativas. Pesquisas nacionais apontam para uma maioria de 54% da população a favor da união de pessoas do mesmo sexo.

Ainda assim, a história também mostra que os juízes têm evitado adiantar-se demais à opinião pública e aos costumes em vigor. Vale lembrar que a extinção das leis que proibiam casamentos inter-raciais só foi aprovada pela Suprema Corte em 1967, quando vigoravam em apenas 16 dos 50 estados americanos.

O resultado da deliberação dos juízes deveria ter sido anunciado ainda na sexta-feira. Foi adiado para amanhã, segunda-feira. É coisa grande, qualquer que seja. "É uma decisão com dimensão para alterar a face da América", acredita o professor de Direito Constitucional da Universidade da Califórnia, Adam Winkler.

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