sábado, dezembro 22, 2012

China, discutindo a relação - KÁTIA ABREU

FOLHA DE SP - 22/12


Temos nos mantido à distância da China, como um convidado de 2ª classe à festa do seu crescimento


A China é hoje, indiscutivelmente, uma força econômica dominante no mundo e sua influência e poder vão se manter ou até ampliar nos anos que se seguirão.

Mesmo com o fim da crise do euro e com a esperada recuperação dos Estados Unidos, há muita gente qualificada afirmando que essas duas grandes economias entrarão num longo período de baixo cres-

cimento, por razões estruturais que transcendem as próprias crises atuais.

A China, ao contrário, prepara-se para dobrar o valor de seu Produto Interno Bruto até 2020, mantendo um ritmo anual de crescimento entre 7% e 8%. Esse desenho da economia para o futuro próximo tem consequências para o Brasil que não podem ser ignoradas.

Mas nós estamos tão acostumados a ver o centro do mundo na Europa e na América do Norte que não estou certa de que essa recomendação elementar será de fato observada.

Até agora, nossas relações com a China têm sido marcadas pela passividade, pela resignação e pelo medo. Se forem esses os sentimentos que continuarão nos orientando daqui para a frente, vamos deixar de nos beneficiar das oportunidades que a expansão chinesa naturalmente pode proporcionar.

Nosso intercâmbio com a China, hoje, é no mínimo assimétrico. Nossas exportações cresceram extraordinariamente nos últimos dez anos, é verdade, passando de pouco de mais de US$ 1 bilhão, em 2000, para US$ 44 bilhões, em 2011. Nossas importações chegaram a US$ 28 bilhões, no mesmo período, proporcionando ao Brasil um superavit de US$ 16 bilhões.

Mas nossas exportações, até agora, estão fortemente concentradas no complexo soja e no minério de ferro, enquanto nossas importações são bastante diversificadas, incluindo itens de alta tecnologia nas áreas de eletroeletrônicos, material de telecomunicações e bens de capital.

Ou seja, ficamos maravilhados com o tamanho e o dinamismo do mercado chinês, mas quem está ocupando verdadeiramente um merca do de consumo são os chineses.

As receitas cambiais proporcionadas pela soja e o minério de ferro são muito úteis ao Brasil e dólares e yuans têm o mesmo valor, independentemente da mercadoria pela qual sejam trocados. Mas é impossível não perceber que os chineses têm sido muito melhores vendedores do que nós.

E, se tudo continuar como está, de nada nos adiantarão as perspectivas de crescimento do mercado interno chinês, com a nova ênfase no consumo doméstico e na urbanização acelerada na década em curso.

A China é um mercado difícil, pois não é uma economia inteiramente aberta, e tem uma forte propensão à autossuficiência.

Com uma população de 1 bilhão e 400 milhões de pessoas para alimentar e com escassez de água e terras aráveis, suas importações agrícolas representam apenas 5% de suas importações totais.

Sua indústria avançou muito em inovação e produtividade e é, hoje, altamente sofisticada.

Mas seu próprio tamanho e sua necessidade de inserção na economia global vão forçar mais abertura comercial. E o Brasil não pode deixar de participar, de um modo muito mais ativo e com uma pauta muito mais diversificada.

Ocorre que a China é um país ainda estranho para nós -talvez para todo o mundo.

Por isso, precisamos nos aproximar mais, para melhor conhecê-la. Infelizmente, temos nos mantido à distância, como um convidado de segunda classe à festa do seu crescimento. Empresários e governo devem mudar sua posição.

O Itamaraty tem enviado para chefiar nossa embaixada os melhores e mais qualificados diplomatas de seu ótimo quadro, mas as ambições de nossa representação têm se mantido modestas. Enquanto temos 18 diplomatas em Londres, 24 em Paris e 15 em Roma, em Pequim são apenas 13.

Não é difícil deduzir a lógica dessa distribuição. Ela apenas reitera que, para nós, o centro do mundo ainda não saiu da Europa e a Ásia continua tão longínqua quanto nos tempos de Marco Polo.

Minha conclusão não pode ser outra: quando o assunto é a China, tudo ainda está por fazer.

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