sábado, dezembro 29, 2012

Abismo político - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 29/12


Os Estados Unidos chegaram ao último dia útil do ano com os pés em falso, na beira do abismo. O país enfrenta uma crise sem precedentes. Só que não é econômica, nem fiscal, como normalmente é apresentada. A crise é política. O sistema não consegue construir consensos, estressa o país e impõe riscos extremos a todos. Tem dado mostras de que não está funcionando.
Com que artefato os parlamentares americanos brincam à beira do abismo enquanto o ano termina? Com a credibilidade dos títulos de maior confiança do mundo. Eles tiveram o primeiro rebaixamento da sua história, mas quando há incerteza no mundo, mesmo que a origem seja a economia americana, os capitais correm para a dívida dos Estados Unidos. Até quando a credibilidade dos Treasury Bills continuará alta?
Em qualquer sistema político há momentos de impasse, mas o que está acontecendo agora nos Estados Unidos vai além disso. Virou um bloqueio completo. Quando há uma crise política, a análise mais sensata sempre mostrará culpados em ambos os lados. Neste caso, a culpa é integralmente do Partido Republicano.
Isso tem sido dito cada vez mais nos Estados Unidos por especialistas. Em abril, os cientistas políticos Thomas E. Mann, do Brookings Institution, e Norman Ornstein, professor do American Enterprise Institute, publicaram um ensaio sobre o problema no Washington Post. Juntos, eles escreveram o livro “É pior do que parece: como o sistema constitucional americano colidiu com a nova política do extremismo”.
Os dois disseram que sempre mostraram as culpas de cada um dos partidos americanos, mas agora se rendiam ao fato de que há um culpado pelo bloqueio: o Partido Republicano.
O que tem se visto nos conflitos em torno da economia nos últimos dois anos confirma a impressão dos acadêmicos. Em meados de 2011, os republicanos levaram o impasse além do razoável na discussão da elevação do teto da dívida americana. Nos últimos dias, até o líder republicano John Boehner teve seu plano B bombardeado pelos seus liderados. Ontem, o presidente Barack Obama passou a tarde reunido na Casa Branca com líderes políticos tentando dramaticamente um acordo.
Não tem havido espaço para negociação na política fiscal, mudança climática, energia, políticas sociais ou qualquer tema. Os dois cientistas políticos aconselham a imprensa a abandonar o tradicional método de pesar igualmente argumentos dos dois lados e pedem que os jornalistas se perguntem quem está fazendo reféns, com que riscos, e com que objetivos.
Dois cientistas políticos, Keith Poole e Howard Rosenthal, que pesquisam tendências históricas de polarização política, concluíram, com base nos estudos dos votos, que os republicanos estão agora na posição mais conservadora em um século.
A radicalização teria começado, segundo Mann e Norquist, com Newt Gingrich, em 1995, mas o evento mais recente é o da facção de extrema-direita formada pelo Tea Party. Batida nas urnas, ela, no entanto, tem conseguido empurrar todo o Partido Republicano para uma posição de intolerância fundamentalista.
O sistema político não tem funcionado. Os moderados da centro-direita desapareceram ou foram empurrados para posições mais conservadoras.
O deputado republicano da Flórida Allan West foi flagrado em vídeo dizendo que 78 a 81 deputados democratas são comunistas. Uma sandice assim não se ouvia desde os tempos do macartismo, mas nenhum republicano o contestou.
O extremismo republicano tornou o sistema político americano disfuncional. Isso é maior, mais importante e mais perigoso do que o abismo fiscal.
“Em qualquer sistema político há momentos de impasse, mas o que está acontecendo agora nos Estados Unidos vai além disso.”

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