sexta-feira, setembro 07, 2012

O Fla-Flu dos desesperados - BARBARA GANCIA

FOLHA DE SP - 07/09


A condenação de Dirceu será a admissão de que somos um país de hipócritas, uma democracia de araque



MUITO GENTIL, a desconhecida in­terrompeu minha leitura para trocar amenidades. Fa­lou-me do Pacheco Pafúncio, meu cão e personal trainer que foi ter com o Criador, e depois fez um cafu­né no Ziggy e me contou um pouco da história do bairro e da sua tam­bém. Ficamos ali muito entretidas até que, de súbito, ela anunciou: "Sou a Maria Victória Benevides".

Ora, como não? Estou acostumada a descer o sarrafo na professora da USP neste espaço. Creio que não exista um pensamento seu do qual eu não discorde diametralmente.

E, no entanto, ela não se furtou de conversar comigo e de se dizer minha leitora. Tapa de luva de pelica? Não importa. Tomei como exemplo de urbanidade e elegância.

Por que conto isto agora se já se passou quase um ano do nosso en­contro? Veja: uma democracia leva séculos para se consolidar. É ilusão pensar que a nossa já esteja funcio­nando sem risco de fissura estrutu­ral. E é de se perguntar se alguns de nossos ministros do STF se dão conta de que estão julgando para a história.

Porque se a intenção for dar pros­seguimento ao projeto de fazer deste país uma democracia moder­na, não parece que o melhor cami­nho seja o berro e a simplificação.

Não entendo nada de leis, mas vejo que, dos 38 réus, por mais que al­guns me causem urticária, nem to­dos são políticos. Por que os dois ca­maradas do banco e aqueles publi­citários pérfidos estão sendo julga­dos no STF? Condenados, recor­rem a quem, ao papa? Isso é Justiça que se preze? Isso é juiz herói? Isso depura a democracia? Ah, sei. Co­mo depurou no caso Collor, não foi? É verdade. Esqueci que esta­mos bem melhor depois do im­peachment, mudou tudo de lá para cá, inclusive porque des­cobrimos quem matou PC Farias e baixaram as comissões dos negó­cios escusos em Brasília, não é? E o Lindbergh Farias virou Dalai Lama, foi isso.

Punições exemplares raramente surtem efeito, menos ainda quando há clima de vingança no ar. E a condenação do ex-chefe da Casa Civil, não importa o julgamento pessoal que façamos dele, se houver, será caminhar no sentido inverso ao pretendido. Se Dirceu for conde­nado, estaremos declarando Lula culpado. Ao fazer isso, forço­samente admitiremos que somos um país de hipócritas em uma democracia de araque, uma vez que o sistema de governo que nos conduz desde a abertura (ou mesmo antes dela) não passa de uma grande farsa com farta distri­buição de cargos, comissões arran­jadas, concorrências fraudadas, contratos subfaturados, emendas acordadas para acomodar interes­ses escusos e tudo mais que já sabe­mos.

É preciso punir? Nem se discute. Mas punir de qualquer jeito, só porque sabemos que há desvio, não corrige. Há formas mais justas e prudentes de encaminhar nossa democracia.

Torcer e comemorar a pu­nição da turma do mensalão, sem observar a lei e esque­cendo de outros arranjos entre gru­pos criminosos dentro da administração pública ou de co­mo surgiu a primeira denúncia contra o governo Lula, são manifestações do cancro que to­mou conta do organismo.

Por falar em torcida, lamento de­cepcionar as macacas de auditório do Contardo Calligaris, mas citar estudo de cansaço do autocontrole para falar de dependência e inter­nação é como se referir à página do índice do "Manual do Onanista" tentando encontrar a solução para taras sexuais. Sobriedade tem a ver com conscientização, não com força de vontade, caro Calligaris.

Será preciso desenhar para você a dura realidade de que o discurso da psicanálise não serve para tratar dependência? Ufa!

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