sexta-feira, julho 13, 2012

A humilhante catraca - MARCOS AUGUSTO GONÇALVES


FOLHA DE SP - 13/07



SÃO PAULO - Em "Um Homem Sem Profissão", o escritor, poeta e jornalista Oswald de Andrade (1890-1954) narra suas lembranças da chegada do bonde elétrico a São Paulo.

Era o ano de 1900. Uma multidão foi ao centro ver a "maravilha mecânica", que já circulava em Salvador, Manaus e no Rio de Janeiro. Partiria do largo de São Bento em direção à Barra Funda.
Para não perder o espetáculo, Oswald, um molecote de dez anos de idade, posicionou-se na então ladeira de São João com a Libero Badaró.

E lá veio o bicho, ao som de "uma campainha forte que tilintava abrindo as alas convergentes do povo". Passou apinhado e uma mulher exclamou: "Ota gente corajosa! Andá nessa geringonça!".


Hoje, os bondes desapareceram de São Paulo e de outras cidades brasileiras. Na Europa, eles ainda continuam a prestar bons serviços, em versão modernizada. Mas nós preferimos o ônibus, que em matéria de transporte público é um suplício.

Gente corajosa essa que passa no famoso "busão" da Pauliceia. Arranca, freia, chacoalha, faz curvas improváveis, é barulhento, poluidor e apertado. O horário é uma loteria. Natural que as novas linhas de metrô e trem, algumas realmente boas, logo tenham ficado superlotadas. Ônibus, só se não tiver jeito.

Seria, aliás, uma experiência instrutiva -além de divertida- se o senhor prefeito da cidade se dispusesse a entrar num ônibus, atravessar o corredor e tentar, com sua figura graúda, passar pela humilhante catraca -aquilo que no Rio se chama de borboleta. Estreita e opressiva, parece concebida como um brete para marcar gado. Um dispositivo que atualiza traços do Brasil escravocrata em plena cena urbana do século 21.

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