sexta-feira, maio 18, 2012

Mais saci do que tripé - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 18/05


O tripé de política econômica, tal como o conhecemos no Brasil desde 1999, está se desfazendo. Sem aviso prévio e sem maior satisfação à sociedade, a política econômica mudou e provavelmente seguirá mudando, sabe-se lá para que formatação. Hoje, está mais para saci do que para tripé.

O câmbio flutuante não flutua mais. As cotações da moeda estrangeira são resultado das intervenções diárias do Banco Central e do governo, que tratou de taxar com Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) os afluxos de capital. O sistema de metas de inflação foi substituído por práticas, não muito claras, em que se misturam metas de juros, metas de crescimento econômico e alguma coisa de meta de inflação.

O único fator do tripé anterior que ainda continua vigorando é a obtenção de um superávit primário, agora de 3,1% do PIB, o que equivale neste ano a R$ 139,8 bilhões ou 14% da arrecadação da União. (O superávit primário é a sobra de arrecadação que se destina ao pagamento da dívida, com o objetivo de controlar as finanças do setor público.)

Em princípio, nada há de errado nas mudanças de direção. Se as coisas se tornam diferentes, não só as opiniões têm de mudar, como ensinou Keynes. Também as políticas têm de mudar. O diabo é que essas mudanças vêm acontecendo dia após dia e, no entanto, o discurso é de que continua tudo como dantes.

O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, por exemplo, repete a cada documento oficial e nas entrevistas que o sistema de metas continua de pé; que os juros básicos (Selic) seguem calibrados para obter uma inflação rigorosamente na meta (de 4,5% neste ano); que o Banco Central só intervém no câmbio interno para evitar a excessiva volatilidade das cotações da moeda estrangeira e tal.

Precisa vir a público o ex-ministro Delfim Netto para advertir que "só um idiota pode dizer que existe câmbio flutuante"; que a política de juros não existe para enfiar a inflação para dentro da meta, mas para trabalhar em "integração com a política fiscal e cambial". Delfim avisa, ainda, que "essa ideia de Banco Central independente já acabou". Em suma, está dizendo que é idiota quem crê nesse discurso. (Essas declarações foram dadas por Delfim, terça-feira, à Agência Estado e publicadas quarta-feira no Estado.)

As contradições entre as políticas colocadas em prática e o discurso oficial, especialmente do Banco Central, geram prejuízo para a credibilidade da instituição, que hoje não consegue mais, como antes, conduzir as expectativas. Ninguém mais acredita em que o Banco Central persiga a meta de inflação. Seu objetivo hoje é derrubar os juros primeiro, para ver depois o que se passa com a inflação. O levantamento semanal feito pelo Banco Central com cerca de 100 instituições (Pesquisa Focus) mostra que o mercado espera neste ano uma inflação mais próxima dos 5,5% do que dos 4,5%.

Pergunta: não seria melhor que, em vez de manter esse papo esquizofrênico, o governo federal ou o próprio Banco Central abrissem logo o jogo e avisassem o que mudou e o que pretendem agora da política econômica?

Se não for por outra razão, que isso aconteça pelo menos em nome da transparência, que o Banco Central evoca sempre e que, agora, está consagrada na Lei de Acesso à Informação.

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