sexta-feira, março 09, 2012

O ilegal avança - EDUARDO GOMES


O Globo - 09/03/12


Em 2015, mais de 3 bilhões de pessoas terão acesso à internet. Os dispositivos on-line alcançarão 15 bilhões, impulsionados por uma conexão cada vez mais rápida. Estamos certos de que o conceito de liberdade que está no DNA da rede desde sua criação deve ser respeitado para garantir a livre manifestação da sociedade. Há dois anos, 180 países reconheceram que a Declaração Universal dos Direitos Humanos aplica-se integralmente à internet, em especial, ao artigo 19, que estabelece a liberdade de expressão e de opinião.

Entretanto, a rede mundial não deve ser território sem lei. Atos praticados e atividades econômicas exploradas nessa plataforma devem observar a legislação e os marcos regulatórios que lhes são aplicáveis.

Isso já acontece com o comércio on-line, regido pelo Código de Defesa do Consumidor; as transações bancárias, reguladas pelo Banco Central; e até os crimes virtuais, cuja punição está prevista no Código Penal.

É extremamente preocupante o flagrante desrespeito ao artigo 222 da Constituição brasileira por corporações multinacionais de tecnologia e telecomunicações que, com capital estrangeiro superior aos 30% previstos na legislação, trabalhando empresarialmente, provêm conteúdo noticioso em sites e portais, infringindo as normas que regulam o regime de propriedade e de responsabilidade editorial dos veículos de comunicação brasileiros.

A redação do artigo é clara ao aplicar a regra a qualquer empresa jornalística e de radiodifusão, "independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço". Não há dúvida quanto ao conceito de empresa jornalística e a caracterização de diversos portais e sites noticiosos em desacordo com a lei.

Empresas jornalísticas são aquelas estruturas organizadas com o propósito de produzir e/ou divulgar conteúdo noticioso, de forma não eventual e com intuito comercial. Esse tipo de empresa está sempre associado à produção, à seleção e à distribuição de noticiário, independentemente do meio empregado. Basta acessar os diversos sites do gênero para identificar a sua natureza empresarial e jornalística.

Em 2010, a Associação Nacional dos Jornais e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão recorreram à Procuradoria Geral da República, ao Ministério das Comunicações e à Anatel. O parecer da PGR observou que o limite legal se aplica aos portais, e que a Presidência da República deveria indicar um órgão responsável pela fiscalização. O MC disse que fiscalizar a internet não estava entre as suas prerrogativas.

No Congresso Nacional temos alertado para o risco de desnacionalização da indústria jornalística brasileira. No último ano, o caso ganhou dimensão internacional durante a 40 Assembleia da Associação Internacional de Radiodifusão, que aprovou resolução recomendando ao governo brasileiro o cumprimento do artigo 222.

Mas, as reações não foram suficientes. Diante da permissividade das autoridades brasileiras, a prática ilegal avança com a aquisição de mais veículos de comunicação por empresas estrangeiras que chegam ao país alheias à agenda nacional, e beneficiadas pelo acesso a fontes fartas e baratas de capital e pela liberalidade regulatória.

Neste mês, o assunto voltou à pauta quando o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, anunciou que aguarda um parecer da Advocacia-Geral da União para se posicionar sobre a atividade das empresas estrangeiras.

Esperamos, sinceramente, que a iniciativa do ministro resulte em solução definitiva para esta grave violação aos princípios constitucionais que conduz à estrangeirização da indústria jornalística brasileira. E que, assim, se resgate o espírito da Carta de 1988, que busca assegurar a preservação da soberania, da identidade e da cultura nacionais, e garantir a responsabilização pelo conteúdo produzido no país.

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