sexta-feira, março 02, 2012

Nova estratégia para números inquietantes - WASHINGTON NOVAES


O Estado de S.Paulo - 02/03/12


O noticiário é inquietante: órgãos da indústria preveem que ela poderá arrefecer sua atividade em 2012 (Estado, 1.º/2), depois de só havê-la expandido 0,3% em 2011 (10,5% em 2010). A sobrevalorização do real e a crise europeia são arroladas entre as causas. E na melhor das hipóteses o setor industrial poderá crescer 2,8% em 2012, ante 3,3% dos serviços e uma taxa geral de 3%. O emprego industrial, diz o IBGE, só aumentou 1% no último ano, ante 3,4% em 2010; e no último trimestre decresceu 0,4%, depois de sete trimestres positivos. Tudo isso apesar de o ministro da Fazenda prever um crescimento do PIB de 5%, embora admita que com a crise na Europa poderá ser de apenas 4%.

Mas não é só. A "invasão asiática" tem levado o Ceará, por exemplo, a passar de exportador de produtos desse setor a importador (Estado, 4/1) - ao lado dos calçados e celulares. Estamos até importando etanol dos Estados Unidos (11/1). Os temores estendem-se à área da siderurgia e ao "risco de desnacionalização" representado pelas tentativas de China e Índia de entrarem no mercado interno (6/1). E ainda se pode somar o problema da redução da demanda europeia, com a queda de 0,3% no último trimestre de 2011.

Uma análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, 3/2) agrega questões como a de o crescimento econômico nacional, em uma década - 2000-2009 -, evidenciar-se como muito dependente de atividades com uso intensivo de recursos naturais, principalmente na agropecuária e no extrativismo - de baixo valor agregado e com reduzido efeito multiplicador sobre o restante da economia. Essa condição de simples fornecedor de commodities ao mercado global seria obstáculo para uma estratégia nacional de sustentabilidade a longo prazo.

Na verdade, o problema maior apontado nas análises é a falta de inovação tecnológica. Os gastos com pesquisa e desenvolvimento no País foram de apenas 1,19% sobre o PIB de 2009, enquanto no Japão se traduziam em 3,45%; na Alemanha, em 2,86%. O baixo investimento reflete-se, por exemplo, no número de pedidos de patentes depositados nos EUA em 2009 por outros países: Japão, 81 mil; China, 7 mil; Brasil, 464.

No conjunto, apesar do otimismo do Ministério da Fazenda, o Banco Central, depois de calcular a expansão do PIB brasileiro no ano passado em 2,72%, prevê para este ano algo em torno de 3%. O contra-ataque viria do governo federal, na proposta (Estado, 5/2) de quatro medidas provisórias para estabelecer regimes tributários especiais que facilitem a importação de máquinas capazes de produzir aqui equipamentos de alto conteúdo tecnológico em áreas como as de semicondutores, TV digital, telecomunicações e computadores pessoais. Mas não é simples. Há tréplicas sobre a mesa, como as da União Europeia e de vários países, que pedem na Organização Mundial do Comércio (OMC) o fim da isenção local de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para montadoras de veículos. As restrições locais também têm levado a altas do IPI para carros importados e quedas nas vendas (40,5% em janeiro).

O próprio Ipea não acredita que medidas emergenciais na área tributária enfrentem a questão. Na sua Conjuntura em Foco (Estado, 17/12), segundo o analista Celso Ming, esse órgão afirma que "a indústria brasileira enfrenta problemas sistêmicos de competitividade". Não se trata - diz a análise - de "concorrência predatória da China, nem força demais dada ao agronegócio, nem descaso da política industrial. É falta de competitividade". Tanto que de 2005 a 2011 a participação de produtos manufaturados no total das exportações brasileiras caiu de 55,1% para 36%. Muitos problemas são mencionados, como a qualidade da infraestrutura, a carga tributária, o nível de qualificação da mão de obra, entraves burocráticos, estratégias de preços, política para a inflação, estímulos à demanda interna. Mas, para o comentarista, o centro da questão está na excessiva valorização do real e no "enorme" custo Brasil.

São muitas as controvérsias. O Fundo Monetário Internacional (FMI) revê a projeção de crescimento da economia mundial para este ano (de 4% para 3,25%) e para o Brasil (agora, 3%). E lembrando que, se as indústrias intensivas em tecnologia e conhecimento respondem por mais de 30% do PIB norte-americano e 23% do chinês, no Brasil não chegam a 4,6% as exportações de alta intensidade tecnológica (eram 7,4% em 2005).

A revista da Universidade de São Paulo sobre ciência, tecnologia e informação (março a maio de 2011) mostra como é lento o crescimento do dispêndio nacional em pesquisa e desenvolvimento, que era de 1,04% do PIB em 2001, caiu para 0,9% em 2004 e chegou a 1,19% em 2009.

Por outras vias, há quem pense que o caminho brasileiro não se restrinja a inovações em tecnologia, e sim que tenha de passar também por uma inflexão radical, rumo a nosso fator estratégico mais forte: a área da biodiversidade. Até mesmo porque, embora detenhamos uma grande parte do acervo planetário de espécies, de 1996 a 2006 nossas exportações de plantas medicinais, por exemplo, só aumentaram 6%, enquanto as importações dessas mesmas espécies cresceram 40% e tivemos déficit comercial inacreditável - num mercado mundial de US$ 250 bilhões anuais. E sem inovação tecnológica em nossos produtos.

Mas para caminhar nessa direção a evolução de nossas políticas terá de ser radical. Poderia ser um bom começo o projeto em tramitação na Câmara dos Deputados que cria o "PIB verde" - para que o IBGE considere nas contas nacionais o patrimônio ambiental e as atividades a ele relacionadas. Há umas duas décadas, Robert Costanza e um grupo de cientistas na Universidade da Califórnia calcularam em três vezes o PIB mundial, em um ano, o valor dos serviços prestados gratuitamente pela natureza (fertilidade do solo, regulação hídrica e climática, etc.) se tiverem de ser substituídos por ações humanas.

Se o mundo caminhar nessa direção, como produto da crise planetária, a perspectiva brasileira poderá ser extraordinária.

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