VALOR ECONÔMICO - 03/02/12
O Banco Central (BC) reduziu novamente os juros, para 10,5%, em movimento unanimemente previsto pelo mercado. Na ata da reunião, divulgada semana passada, não só justificou o corte, como também anunciou que outros devem se suceder, levando a taxa Selic para um dígito. Embora um número crescente de bancos centrais esteja passando a sinalizar a trajetória futura esperada da taxa básica, a explicitação pelo Copom de que a Selic deverá atingir um dígito reacendeu críticas de perda de independência do BC na condução da política monetária, e de excessivo alinhamento aos desejos tantas vezes expressados por importantes figuras do governo.
As inflações de 2010 (5,9%) e 2011 (6,5%) situaram-se bem acima da meta (4,5%). As previsões do mercado financeiro para 2012 são superiores a 5%. Mas o BC é bem mais otimista, prevendo, na ata, que, "... no cenário central com que trabalha, a taxa de inflação posiciona-se em torno da meta em 2012, e são decrescentes os riscos à concretização de um cenário em que a inflação convirja tempestivamente para o valor central da meta".
A estratégia do BC está baseada em um cenário de prolongada estagnação da economia dos países avançados, notadamente na Europa. O baixo crescimento mundial manteria os preços internacionais em xeque, o que ajudaria a manter a inflação cadente, bem como reduziria o crescimento do PIB. No plano interno, o BC confia que não serão geradas pressões inflacionárias que ponham em risco a trajetória cadente da inflação, embora ressalte que, para isso, é fundamental que a meta fiscal seja cumprida, a expansão do crédito (com a redução dos subsídios) moderada, e a concessão de aumentos de salários mantidas em faixas compatíveis com o crescimento da produtividade.
Em suma, o BC vai continuar reduzindo juros durante 2012, apesar de a inflação estar acima da meta. Basta-lhe a crença na trajetória declinante da inflação. Quais os riscos envolvidos nessa estratégia?
O cenário central do BC é, sem dúvida, plausível. O problema é a fragilidade das hipóteses em que está baseado. Se as economias avançadas retomarem o crescimento, se o aumento do salário mínimo e o aquecimento do mercado de trabalho elevarem ainda mais o componente de inflação de serviços, se as eleições de 2012 levarem os governos, nacional e locais, a gastar mais do que o previsto, se a expansão de crédito dos bancos públicos for muito forte, o cenário central do BC estará sob ameaça.
Claro que o BC pode reagir e elevar os juros se perceber que tal cenário não está se concretizando. Mas aí há dois problemas. O primeiro é que, reagindo posteriormente, em vez de atuar preventivamente, com devida cautela, terá que incorrer em custo mais alto (em termos de perda de crescimento de produto) para reconduzir a inflação para a meta. Segundo, e mais importante: existem, hoje, sérias dúvidas quanto à disposição do BC de elevar a taxa de juros caso o cenário central esteja sob ameaça. Em outras palavras, já não se sabe qual é, de fato, o real objetivo da política monetária.
A percepção mais comum entre os agentes econômicos é a de que o centro da meta, 4,5%, já deixou de ser o objetivo relevante. O BC se contentaria com, tão somente, impedir que a inflação supere o limite superior da banda, 6,5%. O que, aliás, vem sendo, já há tempos, propalado por autoridades econômicas fora do BC.
À medida que tal percepção torna-se mais difundida, é natural que a expectativa de inflação suba para 6,5%. Por enquanto, as previsões do mercado ainda não estão tão altas. Mas o verdadeiro teste da ancoragem da expectativa ocorrerá quando alguma das premissas do cenário central do BC não se verificar. Com a elevação da expectativa de inflação, muitos dos benefícios do atual sistema se perderão. Mais ainda, trazer a inflação de volta para os 4,5% acarretará custo bem mais elevado do que fazê-lo no presente.
Outro pilar fundamental da estratégia do BC é a suposição de que teria ocorrido redução na taxa neutra de juros, que é a taxa que manteria a inflação na meta, e ao redor da qual deve oscilar a taxa Selic, dependendo do estágio do ciclo econômico. Como evidência de tal redução, a ata aponta a diminuição dos prêmios de risco, na esteira de vários anos de estabilidade macroeconômica. Entretanto, as evidências empíricas não corroboram a hipótese de que a taxa neutra tenha se reduzido. Se a taxa neutra tivesse caído, os juros altos do passado recente deveriam ter causado inflação baixa e desemprego elevado, o oposto do que ocorreu.
A ata prossegue, afirmando que "... têm contribuído para a redução das taxas de juros domésticas, inclusive da taxa neutra, o aumento na oferta de poupança externa e a redução no seu custo de captação, as quais, na avaliação do Comitê, em grande parte, são desenvolvimentos de caráter permanente." Aqui parece haver confusão quanto aos determinantes da taxa neutra. Sem dúvida a entrada de capitais estrangeiros para a compra de dívida pública, sobretudo a longa, se e quando voltar a ocorrer, reduzirá a taxa de tais títulos. Isso, entretanto, não ajudaria o BC no controle da inflação, a menos que a taxa de câmbio apreciasse, o que, segundo o ministro da Fazenda, o governo não está disposto a permitir.
Portanto, ainda que possível, o cenário que suporta a estratégia do BC é frágil. Os riscos para sua concretização são muitos, sobretudo se, frente à concretização de algum deles, o Copom não estiver efetivamente disposto a aumentar a Selic. Melhor seria voltar à tradição de cautela da política monetária, interrompida às vésperas da eleição presidencial de 2010.
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