segunda-feira, fevereiro 27, 2012

Os desafios da gestão fiscal - FELIPE SALTO e RAFAEL CORTEZ


Valor Econômico - 27/02/12


A política fiscal é ponto chave para o entendimento da economia brasileira no médio e longo prazo em função da agenda de redução da taxa de juros presente no governo Dilma. Em boa medida, a viabilidade da redução de juros, sem pressões inflacionárias, decorre de uma política fiscal contracionista. A contribuição da política fiscal para essa agenda, contudo, é marcada por incertezas, dados os múltiplos objetivos sinalizados pelo governo. Não apenas o "primário cheio", como também o aumento da taxa de investimentos aparece como prioridade do Planalto. E mais, não haveria uma tensão entre os dois objetivos. A comprovação da viabilidade desses objetivos estaria expressa no corte orçamentário, levado a cabo pelo Executivo, que sinalizaria a contribuição da política fiscal para a redução da Selic e a preservação dos investimentos.

Uma análise desagregada do orçamento, entretanto, mostra a inviabilidade entre cumprimento de meta e reforço nos investimentos. Em outros termos, o cumprimento da meta adviria mais de receitas maiores, do que de redução efetiva das despesas, que deverão ser controladas na "boca do caixa". A qualidade (ruim) dos gastos públicos minimiza os efeitos contracionistas sobre a demanda agregada.

À luz dessas considerações, pode-se dizer que o anúncio de um contingenciamento de R$ 55 bilhões para o orçamento anual é positivo e, se executado, poderá levar ao cumprimento da meta de R$ 139,8 bilhões (para o setor público como um todo). O quadro abaixo compara a dinâmica do corte orçamentário com o ano passado a fim de apontar os dilemas do governo.

Uma das principais diferenças entre o cenário previsto em orçamento e o nosso cenário reside no lado das receitas. Mesmo na reprogramação anunciada, ainda há uma diferença de cerca de 0,5 p.p. do PIB entre as estimativas. Isto é, se a arrecadação for efetivamente menor, conforme nosso cenário, o governo precisará de um contingenciamento superior ao estimado. Há duas explicações para essa diferença: premissas distintas para o PIB e custos maiores estimados para as desonerações fiscais.

Neste ano, a não ser que haja uma injeção mais forte de recursos, via canais extraordinários (como dividendos do BNDES), dificilmente a receita ficaria acima da reprogramação orçamentária anunciada, como ocorreu em 2011. Ao contrário, os cálculos apontam uma frustração de receitas e, considerando as estimativas para a despesa, conforme explicitado, o primário possível seria de apenas 1,6% do PIB e não de 2,15% do PIB (meta correspondente ao governo central, pela lei).

Do lado das despesas, a contenção de R$ 55 bilhões anunciada pelo governo é um sinal positivo, mas precisa ser considerada à luz de dois fatores, além da questão política: a) os gastos que mais sofrerão contenções, pelo anúncio do governo, serão os discricionários (R$ 35 bilhões), com cerca de R$ 25 bilhões concentrados em investimentos (uma parte, inclusive, correspondente a recursos de emendas parlamentares, que foram congelados integralmente); b) além dos cortes nas despesas discricionárias, foram reduzidas as despesas obrigatórias, com destaque aos pagamentos de benefícios previdenciários em R$ 7,7 bilhões e às despesas com subsídios (custo do diferencial de juros em operações do BNDES e outros) em R$ 5,2 bilhões.

Mesmo que ocorra o ajuste previsto em orçamento para as despesas discricionárias, será preciso, ainda, um ajuste de R$ 3 bilhões adicionais, nos investimentos, para que nossa projeção de 1,6% do PIB se confirme. Como o patamar de investimentos, com todos estes contingenciamentos, ainda ficaria em R$ 52 bilhões, R$ 4,5 bilhões a mais do que em 2011 (mesmo patamar, em % do PIB, ante 2011), tal dinâmica nos parece factível.

Com isso, e reavaliando a posição sobre a questão dos gastos com pessoal, passando a considerar (quadro) que o governo conseguirá manter o nível de gastos previsto em orçamento, a diferença central ficaria no campo das receitas.

Do ponto de vista político, o cenário para o possível cumprimento de meta passa por alguns fatores: a) coesão da base aliada para evitar projetos que representem aumento de gastos do governo; b) blindagem do governo ao calendário eleitoral, pois a pressão para gastos em ano eleitoral deve ser maior do que em 2011. A questão é que, se não se confirmar uma receita tão elevada como a prevista pelo governo, será preciso um controle ainda maior das despesas discricionárias, o que tenderia a ser excessivamente custoso politicamente.

Quanto aos impactos sobre a demanda agregada e ao cenário de inflação, entendemos que a política fiscal do governo, mesmo no cenário de cumprimento da meta de superávit primário, não deve ter um forte efeito na contenção da demanda. Apesar da magnitude do corte, não se verificaria um efeito contracionista, dado que os gastos e as receitas teriam crescido (no cenário de 3,1% do PIB para o primário, mesmo patamar de 2011) à mesma taxa (cerca de 5,8%, em termos reais).

Em suma, o corte é positivo. O cenário de cumprimento não é o de maior probabilidade, mas é crível e, com o anúncio da reprogramação, ganhou força. Adicionalmente, não se espera uma contribuição efetiva para compensar a magnitude da redução de juros sinalizada pelo governo. Há sinais de melhora no campo fiscal, mas ainda insuficientes, ante à ambiciosa agenda de afrouxamento da política monetária. Assim, o cenário de demanda agregada não pressionada, mesmo com juros baixos, deverá ser buscada por outros canais.

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