O GLOBO - 01/01/12
Faz muito tempo, um general (Jorge de Sá Pinho) foi promovido e um curioso perguntou a Ernesto Geisel quem era ele. O ex-presidente respondeu: "É um grande general. A prova disso é que você não sabe quem é". Em um ano, Alexandre Tombini tornou-se o primeiro presidente do Banco Central cuja notoriedade não rivaliza com a do elenco da novela das oito. Fala pouco, aparece menos e não exerce a função de mestre-pensador da ciência econômica com paramentos de tutor do governo.
Funcionário de carreira do banco, com uma breve passagem pelo FMI, Tombini assumiu uma diretoria do BC em 2006. Pouco se sabia dele, salvo que tinha uma relação crispada com o líder da área conservadora do Copom, Afonso Bevilaqua. Numa entrevista, recusou-se a mencionar quem são seus economistas ou escritores prediletos. Informou apenas que tem mulher (americana, cujo nome não achou necessário revelar), dois filhos e torce pelo Internacional.
Em agosto, depois de ter patrocinado cinco altas da taxa de juros, de 10,75% para 12,5%, o BC baixou-os para 12%. O "mercado", seja lá o que isso significa, esperava que ela ficasse estável. Quando os baixou, foi vassalagem ao Planalto. Colaram em Tombini o rótulo da subserviência imprudente. Em sua defesa, saltou o professor Delfim Netto: "A indignada e quase raivosa reação de alguns analistas, que se supõem portadores da ''verdadeira'' ciência monetária, (...) revela que, para eles, a sacrossanta ''independência'' do Banco Central só é reconhecida quando este decide de acordo com os conselhos que eles, paciente, gratuita e patrioticamente, lhe dão todos os dias". Afinal, como Delfim já dissera, "o Brasil é o último peru disponível com farofa para a mesa dos especuladores".
A crise europeia agravou-se, a economia americana continua patinando e a providência revelou-se certa. O BC fez em 2011 o que deveria ter feito em 2008. Tombini estava certo, mas continuou longe dos refletores.
Carlos Roncalli
Em maio, termina o mandato de Cezar Peluso na presidência do Supremo. Será substituído por Carlos Ayres Britto, que ocupará a cadeira por apenas seis meses.
Olhando-se para o Supremo como se olha para o Vaticano, a ascensão de Ayres Britto poderá ter um efeito semelhante ao da eleição do cardeal Angelo Roncalli, em 1958. Seu papado seria breve, pois tinha 77 anos. Em apenas quatro anos, João XXIII virou a Igreja Católica de cabeça para baixo.
Gilmar 2 x 1
O ministro Gilmar Mendes pediu numa entrevista que se repensem as concessões de liminares "atípicas e heterodoxas" pelo Supremo Tribunal Federal às vésperas dos recessos. Elas congelam os casos até que as férias terminem.
Quando estava na presidência da Corte, Gilmar Mendes viu-se diante dessas assombrações e, em dois casos, espantou-as. Dias antes do recesso do final de 2008, quando ocuparia o plantão da Casa, chegou à sua mesa um pedido de liminar, patrocinado pela banca, contra as vítimas do Plano Verão, do governo Sarney. Ele não apreciou o caso. Num caso raro de assombração insistente, a banca tentou de novo, às vésperas do recesso seguinte, no meio do ano. Novamente, perderam tempo.
Num terceiro caso, no dia 23 de dezembro de 2009, sempre no exercício do plantão, Gilmar revogou a prisão preventiva do médico Roger Abdelmassih, preso desde agosto e acusado de ter cometido 56 estupros contra 37 mulheres que iam à sua prestigiosa clínica, especializada em fertilização. (A ministra Ellen Gracie já negara um habeas corpus ao doutor.)
Solto, Abdelmassih sumiu. Meses depois, foi condenado a 278 anos de prisão e continua sumido.
A ''PEC da Bengala'' quer entrar na pauta
No meio das conversas de notáveis do PMDB com ministros do STF, voltou à roda o tema da "PEC da Bengala". Esse é o nome dado ao projeto de emenda constitucional apresentado em 2003 pelo senador Pedro Simon elevando a idade limite das aposentadorias compulsórias de 70 para 75 anos.
A PEC já cumpriu toda a sua tramitação e depende apenas de uma votação na Câmara. Mais precisamente, depende de uma decisão do presidente da Casa, para colocá-la em votação.
O projeto é matematicamente irrefutável. Quando esse teto foi estabelecido, há mais de 50 anos, a expectativa de vida dos brasileiros era de 55 anos. Hoje, ela está em 73,5 anos. A aposentadoria compulsória de servidores públicos mutila uma mão de obra qualificada. Levando-se em conta que só ficará na ativa quem quiser, ela não fará mal a ninguém.
Quem não gosta da ideia são os servidores mais jovens, que teriam promoções adiadas. Na linha de frente da oposição estão entidades como a Associação dos Magistrados e a Associação dos Juízes Federais, numa sugestão de que há algo de bom na "PEC da Bengala".
No varejo, a proposta não interessa ao comissariado petista. Com a compulsória aos 70 anos, ele preencherá dezenas de cargos de juízes em tribunais superiores. O atual limite daria ao Planalto duas vagas no Supremo Tribunal Federal neste ano. Cezar Peluso aposenta-se em setembro e Carlos Ayres Britto, em novembro. Com a PEC, ficam mais cinco anos.
Para quem caça votos na Corte pensando no julgamento do mensalão, a ida de Peluso e Britto para casa é um verdadeiro presente.
Dois números
O governo federal quer abrir uma licitação para a compra de 300 mil tablets, para distribuí-los a estudantes da rede pública.
O repórter Marcelo Remígio revelou que 300 mil é exatamente o número de professores que faltam nas escolas do país.
Sartori e a ditadura
Ao comparar a ação do CNJ com as práticas dos "tempos da ditadura", o novo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Ivan Sartori, mirou na corregedora Eliana Calmon e acertou o telhado de vidro dos poderosos que não gostam de investigações.
Por mais que o regime militar tenha mutilado o devido processo legal e praticado crimes, seu combate permanente e implacável dava-se contra quem quisesse investigá-lo. (Até hoje, suas viúvas lutam contra a Comissão da Verdade.)
O doutor Sartori pode ir às memórias do procurador Hélio Bicudo, encarregado de investigar as práticas do Esquadrão da Morte. Quando ele chegou aos malfeitos do delegado Sérgio Fleury, o mais conhecido torturador do regime, foi chamado ao gabinete do procurador-geral da Justiça de São Paulo e ouviu o seguinte:
"A impunidade do Dr. Fleury é ponto de honra para a cúpula do governo e das Forças Armadas. O perigo é enorme!".
Bicudo não se atemorizou.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e pedirá ao presidente do Senado, José Sarney, que apresente um projeto de emenda constitucional outorgando ao menino Daniel Barbalho, de 9 anos, uma cadeira na Casa, até que complete a maioridade.
Há décadas não se via por lá um pronunciamento tão explícito e autêntico como suas caretas. Foi o melhor momento da carreira do pai, Jader.
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