VALOR ECONÔMICO - 13/12/11
A construção da Comunidade é obra política da maior importância, mas extremamente ambiciosa. Pretende estabelecer uma "paz perpétua" num continente construído pelos mesmos homens que deixaram a África há 150 mil anos. Com o tempo foram se separando em grupos hostis, devido à propensão à posse e à defesa do território que ocuparam e tenderam a ampliar. Descobriram há 12 mil anos a agricultura, domesticaram animais e começaram a organizar-se em torno de centros urbanos para obter de forma eficiente a sobrevivência.
Trata-se de uma construção política formidável, mas apoiada numa integração incompleta e controlada por regras insuficientes, o que lhe dá imensa fragilidade econômica. Às vésperas de sua fundação, apoiados em bons princípios teóricos, 150 notáveis economistas alemães num manifesto cáustico condenaram especialmente a prematura introdução da moeda única, o que, no longo prazo, poderia vir a destruir o sonho da comunidade.
Integração monetária não leva à igualdade entre os países
A crise do Lehman Brothers, a recessão americana e a fraqueza descoberta no sistema bancário mundial, acabaram por colocar luz sobre os problemas escondidos na estrutura da Eurolândia, devido: 1) ao simultâneo descumprimento das regras ajustadas em Maastricht; 2) ao fantástico efeito produzido pela credibilidade alemã nas taxas de juros dos papéis soberanos dos outros membros; 3) à expansão do crédito produzida pelo aumento da alavancagem do sistema financeiro, gerado pela crença que dispunha de fórmula segura para a estimação dos riscos; 4) à disposição dos poderes incumbentes de falsificarem a contabilidade; e, por último, mas não menos importante, 5) à "benção" das agências de riscos que, como os bancos centrais, não entenderam o terremoto que se estava construindo.
As dificuldades estavam ínsitas na construção do próprio euro quando se fixaram, em 1999, "para sempre e de maneira irretratável", as taxas de câmbio dos países-membros, sem integração fiscal verdadeira.
Para entender o que aconteceu de 1999 a 2010, é preciso verificar o que ocorreu internamente no euro, com as taxas de câmbio "virtuais". Tomemos o próprio euro, que valorizou-se em 12%, e dentro dele a dracma. Como se sabe, a melhor estimativa para a taxa de câmbio real é a relação taxa cambial nominal/custo unitário do trabalho. Em 12 anos, o custo do trabalho na Grécia cresceu 35%. Logo, a taxa "virtual" da dracma foi reduzida de 340,75 para 252,41 (340,75/1,33), para todas as exportações e importações gregas provenientes da própria Eurolândia, valorizando-se, "virtualmente", 26%.
Nas operações fora da Eurolândia, a dracma valorizou-se, também, 12% do euro, ou seja, passou de 340,75 para 225,36 (252,41/1,12). Logo, a taxa "virtual" da dracma valorizou-se 34%. No período as exportações físicas mundiais cresceram 82%, enquanto as gregas cresceram apenas 52%.
Tomemos a Alemanha. No mesmo período, a variação do custo unitário do trabalho foi de apenas 2%, de forma que a variação do valor do marco dentro do euro praticamente foi nula. Para operações fora da zona do euro, valorizou-se 12%. As exportações físicas cresceram 126% (contra 82% das exportações mundiais)!
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O gráfico mostra que, considerada em si mesma, a Eurolândia tem equilíbrio em conta corrente, com dramáticos superávits internos (Alemanha e Holanda) e déficits (França, Itália, Grécia, Espanha e Portugal), pelo menos em parte induzidos pelos desequilíbrios cambiais semeados pela evolução das próprias economias. Como financiar os déficits sem um aumento do endividamento ou uma redução de crescimento?
A integração monetária não leva à homogeneização dos países. Quando não há mais o risco do câmbio, as regiões se especializam e se diferenciam cada vez mais. Quem se expande em bens e serviços não transacionáveis não tem como financiar déficits, a não ser reduzindo crescimento ou aumentando endividamento. O problema cambial escondido na Eurolândia foi causa eficiente da questão fiscal.
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