quinta-feira, novembro 10, 2011

CARLOS ALBERTO SARDENBERG - Não tem nada de mais - a série



Não tem nada de mais - a série
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO - 10/11/11


A nossa série "Não tem nada de mais" recebeu várias contribuições. A melhor, disparada, veio de Brasília.

Nesse conjunto de chantagens e contrachantagens em curso na política local, há pelo menos um fato admitido por todos os envolvidos. Em 25 de janeiro de 2008, o atual governador Agnelo Queiroz, então diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, recebeu em sua conta corrente um depósito de R$5 mil, feito por Daniel Almeida Tavares, funcionário do laboratório farmacêutico União Química. Nesse mesmíssimo dia, Agnelo liberou um certificado da agência reguladora considerando o laboratório companhia idônea, apta a produzir e participar de licitações públicas.

- Qual o problema? - tratou de responder o hoje governador.

Não tem nada de mais, explicou, apenas uma enorme coincidência. Contou: o Daniel, amigo antigo, ficou numa pior e estava sem dinheiro para pagar umas contas. Agnelo, então, emprestou 5 mil reais. Para facilitar e evitar a trabalheira do amigo de ir ao banco descontar um cheque ou sacar a grana, Agnelo entregou logo os 5 mil em dinheiro vivo, um pacote de notas. Credor e devedor não julgaram necessário assinar qualquer documento. Ficou na confiança.

Segue a história relatada pelos dois personagens: passou o tempo, Daniel melhorou de vida e, já empregado no laboratório, lembrou-se de pagar ao amigo justo em um dia em que não estava em Brasília. Assim, não podendo levar o dinheiro vivo lá no escritório da Anvisa, fez um depósito na conta de Agnelo. Daniel nem sabia que o certificado beneficiando sua empresa estava na mesa de Agnelo, nem este sabia que o depósito seria feito naquele 25 de janeiro.

Uma enorme coincidência, dessas coisas que acontecem, não é mesmo? E ninguém saberia disso se Daniel não tivesse guardado o recibo de depósito por esses quase três anos e se esse papel não tivesse "vazado" para políticos e imprensa. Mas, se o negócio era todo na base da confiança, por que ele teria guardado o recibo esse tempo todo? E como o teria deixado escapar, numa situação que obviamente prejudicaria o hoje governador e antigo amigo?

Questões sem importância, insinuam os envolvidos. O que admitem é o seguinte: o governador pegou do bolso 5 mil reais em dinheiro vivo, emprestou e recebeu de volta via depósito bancário. O resto é coincidência da vida e armação dos inimigos e da imprensa.

Admitamos que tenha sido assim mesmo. Não fica esquisito que o diretor da agência reguladora mantenha uma relação, digamos, de credor/devedor com o funcionário de uma empresa regulada pelo primeiro? Será que o diretor da agência não deveria sentir-se impedido de assinar um documento favorecendo o serviço do amigo/devedor/funcionário do laboratório beneficiado?

Que Daniel, o amigo, tenha contado duas histórias, uma denunciando Agnelo, outra o defendendo, também é normal? Não tem nada de mais?

Agnelo Queiroz é o quarto governador de Brasília envolvido em denúncias de corrupção. Nenhum dos outros três foi julgado em caráter definitivo.

Não tem nada de mais.

DURA LEX, SED LEX

Semana passada, na CBN, ouvintes com assuntos a resolver na Justiça Federal reclamaram e perguntaram por que seus funcionários haviam emendado a segunda, 31 de outubro, e a terça, com o feriado de 2 de novembro, quarta.

Emendaram logo dois dias úteis?

Não tem nada de mais, explicaram funcionários e juízes em diversos e-mails. Assim: a folga no 31 de outubro foi por conta do dia do funcionário público, que caíra na semana anterior e foi transferido; o dia 1º de novembro é feriado na Justiça Federal; e o dia 2 é feriado nacional.

Vá lá, mas de onde tiraram que 1º de novembro é feriado? - muitos comentaram. Novos e-mails de funcionários e juízes quase chamaram todos de ignorantes.

Está no sagrado ordenamento jurídico deste país, não sabiam? Está mesmo, caro leitor. Trata-se da Lei 5.010, de 30 de maio de 1966, que diz em seu artigo 62: além dos fixados em lei, serão feriados na Justiça Federal, inclusive nos Tribunais Superiores: I - os dias compreendidos entre 20 de dezembro e 6 de janeiro, inclusive; II - os dias da Semana Santa, compreendidos entre a quarta-feira e o Domingo de Páscoa; III - os dias de segunda e terça-feira de carnaval; IV - os dias 11 de agosto e 1º e 2 de novembro.

São 21 dias a mais, "por expressa previsão legal" - como nos escreveu, assim mesmo, uma funcionária de Brasília.

O leitor ingênuo perguntaria: mas o fato de estar na lei torna a coisa justa ou razoável? Ou ainda: quando reclamam reajuste salarial e a contratação de mais juízes e funcionários, todos estes falam da enorme quantidade de processos a despachar. Se trabalhassem uns 20 dias - um mês útil inteiro - já ajudaria, não é mesmo?

Mas aqui vale a letra da lei. Como descobriram os romanos, a "lei é dura, mas é a lei".

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