O menino enfermo
ALMIR PAZZIANOTTO PINTO
CORREIO BRAZILIENSE - 14/11/11
Este artigo pretende ser a fotografia em 3x4 da realidade social brasileira, em flagrante contraste frente à propaganda ufanista do governo. Relata o site Migalhas que determinada criança de 2 anos, identificada como V.E., vítima de hidrocefalia, foi conduzida pelos pais à unidade do SUS no início do mês de maio, da cidade de Juína, Estado de Mato Grosso. Trata-se de grande município, com cerca de 26.300km² e 42 mil habitantes, encravado na fronteira com Rondônia, distante 720km de Cuiabá, e rodeado por magníficas propriedades, onde são cultivados o algodão e a soja, e criados rebanhos bovinos.
Frente à inexistência de recursos locais e nas localidades próximas, em 2 de junho o médico responsável pelo atendimento requisitou assistência hospitalar na capital do estado, onde o pequeno deveria ser internado em UTI pediátrica, para procedimento cirúrgico.
Baldados os esforços do médico e impossibilitada a família de arcar com despesas de viagem, hospedagem e tratamento, em 12 de agosto o Ministério Público estadual recorreu à Justiça Civil, com base no Estatuto do Menor e do Adolescente, para que o estado assumisse as responsabilidades diante da criança enferma. Na mesma data, o juiz de direito dr. Gabriel da Silveira Matos ordenou, mediante despacho nos autos, que a Secretaria da Saúde, dentro de cinco dias, designasse o hospital que internaria o paciente, sob pena de multa diária de R$ 30 mil.
Transportada em ambulância municipal e munida do mandado judicial, a família percorreu três hospitais cuiabanos, sem obter sucesso, sob a fria alegação de falta de vaga. Em 7 de outubro, o Ministério Público voltou à carga, desta vez para pedir o bloqueio de verbas publicitárias, ou tributárias, que seriam destinadas ao custeio da cirurgia em instituição particular.
Para ser breve, o menino e os pais permaneceram desamparados, à espera de alguma providência do governo de Cuiabá. Diante da dramática situação, o juiz de direito de Juína, (conhecida, segundo página local da Internet, como esgoto a céu aberto), sob o fundamento de estado de calamidade pública, e apoiado na Lei Complementar nº 97/99, e na Lei nº 8.745/93, deliberou recorrer ao apoio das Forças Armadas.
Nesta altura do dramático episódio, pouco importa examinar os aspectos jurídicos da questão e discutir se o magistrado agiu dentro dos limites da sua competência constitucional e legal. Informado por sensibilidade poucas vezes vista, e diante da trágica situação da criança e dos pais, tomou medidas que julgou adequadas.
Em memorável despacho, o desassombrado juiz registra: “A situação que se vê, atualmente, com a saúde em Mato Grosso, longe de ser uma situação excepcional, ou momentânea de dificuldade, passou a ser constante e duradoura, pois inúmeros são os pedidos judiciais para internação de pacientes feitos já há mais de um ano. Se, ao que tudo indica, faltam leitos, a construção de mais hospitais é uma decisão discricionária do Poder Executivo, eleito para, em seu nome, eleger as prioridades. O que se constata atualmente são obras de grande porte, como estádios para a Copa do Mundo, prédios públicos confortáveis e funcionais, como os da Justiça do Trabalho, Tribunal de Justiça, Assembleia Legislativa, Justiça Eleitoral, Justiça Federal, Ministério Público, Fórum e muitos outros (de suma importância para o bom funcionamento do Estado e a garantia do estado de direito), compras de veículos, duplicação de rodovias, mas, paradoxalmente, no estado campeão do rebanho bovino, de plantio de soja, algodão e outras culturas, não se veem prédios da mesma envergadura para atender o ser humano, ou ainda mais, um garotinho de 2 anos de idade que precisa ser internado. Não se veem nem obras em andamento nesse sentido”.
A crítica contundente procede. Nada mais havia necessidade de registrar. Em poucas palavras o magistrado decreta a falência do SUS, desmente governantes que alardeiam inexistentes progressos sociais e põe em xeque a Constituição, quando diz “A saúde é direito de todos e dever do Estado” e garante, no papel, “acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
A presidente Dilma Rousseff anunciou, com estardalhaço, lançamento de programa voltado à erradicação da miséria. Não há necessidade de se chegar a tanto. Basta assegurar às famílias pobres a possibilidade de receberem tratamento médico a que têm direito, como seres humanos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário