sexta-feira, setembro 02, 2011

RUY CASTRO - Torcidas em paz

Torcidas em paz
RUY CASTRO
FOLHA DE SP - 02/09/11 

RIO DE JANEIRO - Eu não estava lá, nem em qualquer lugar, mas os veteranos me contaram. A primeira torcida organizada do Brasil nasceu em outubro de 1942, quando um cidadão chamado Jayme, 31 anos, baiano, Flamengo doente, porteiro da Polícia Federal e morador das Laranjeiras, sugeriu a seu vizinho Manuel, idade e profissão não sabidas, português, mas também Flamengo, pintarem uma faixa de morim com os dizeres "Avante Flamengo" e a abrirem na arquibancada do Fluminense, no Fla-Flu daquela semana.
O que eles fizeram, no meio do jogo. O pessoal do Fluminense cochichou alguma coisa, mas deixou estar. Ao fim da partida, que terminou em empate, Jayme e Manuel, cada qual numa ponta, saíram correndo com a faixa pelo gramado. Nunca se vira aquilo. A polícia fez menção de abotoá-los, mas os jogadores do Flamengo se juntaram à volta olímpica. E, então, surpresa: as sociais do Fluminense aplaudiram.
Nos jogos seguintes, mais faixas e adesões. Laura, 23, mulher de Jayme, também portuguesa e também Flamengo, passou a costurar bandeiras para o grupo que só fazia crescer. Para os jogos no subúrbio, fretavam bondes e saíam, embandeirados e cantando, do largo da Carioca. Uma banda militar se incorporou para tocar marchinhas -Ary Barroso ouviu-a e reduziu-a a uma charanga desafinada. Pois ali se chamou Charanga, com monograma bordado na camisa.
O "Jornal dos Sports", do idem rubro-negro Mario Filho, a promoveu. O Flamengo foi campeão em 1942-43-44 e todo ano havia Carnaval fora de época. Os outros clubes foram atrás com suas organizadas, comandadas por amigos de Jayme, que lhes emprestou know-how -as torcidas eram famílias, não podia haver fogos nem palavrões. E assim, por muitos anos, elas conviveram em paz.
Jayme de Carvalho morreu em 1976. É nome de rua em Realengo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Se ele visse no que se tornaram as grandes torcidas hoje, certamente reviraria no túmulo.