sábado, agosto 20, 2011

ZUENIR VENTURA - Obras do descaso


Obras do descaso
Zuenir Ventura
O GLOBO - 20/08/11

Entre a execução da juíza Patrícia Acioli e o acidente que matou dois adolescentes e feriu outros seis no parque Glória Center, há um paralelo: essas tragédias talvez pudessem ter sido evitadas. Não se trata de "fatalidade", como disse um dos donos do parque, assim como atribuir a culpa à juíza por sua própria morte é no mínimo injusto. Não foram obras do acaso, e sim do descaso. Tanto num episódio quanto no outro não faltou sorte, faltou foi previdência dos que tinham por obrigação zelar pela segurança das vítimas. O histórico do parque, com os equipamentos corroídos, um engenheiro displicente e uma fiscalização leniente demonstram que se não houve muitos acidentes iguais a esse antes foi por milagre.

O crime contra a juíza foi ainda mais grave, porque a morte não era apenas previsível; foi anunciada. "Até as paredes do fórum de São Gonçalo sabiam", escreveu o desembargador Siro Darlan no seu blog, indignado com o suposto desinteresse do Tribunal de Justiça, cujo presidente teria alegado que ela não requisitara proteção por ofício.

"Fica, assim, solucionado o crime", ironizou Darlan. "Patrícia era uma incompetente, uma servidora pública incapaz de fazer um ofício! Não é isso que o senhor quer dizer, Presidente?" A alegação é posta em dúvida também pelo fato de que em 2007 a juíza endereçou ofício ao TJ reclamando da redução de sua escolta. Cópias desse e de outros documentos foram entregues esta semana ao presidente do Tribunal pelo advogado Técio Lins e Silva.

Outro desembargador, Rogério de Oliveira Souza, foi testemunha de que há um ano e meio Patrícia Acioli esteve no gabinete do então presidente do TJ, Luiz Zveiter, para solicitar proteção. Mais: dois dias antes do assassinato, um policial civil da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod) esteve na Polícia Federal para denunciar um plano de execução da juíza. Nessa mesma direção, o Disque-Denúncia recebeu em 2009 duas delações, logo repassadas para a Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Draco).

Por outro lado, ao mesmo tempo em que desenvolvia uma implacável e corajosa ação contra milicianos e a banda podre da polícia, a juíza teve como segurança, segundo um documento publicado ontem, um oficial da PM em quem confiava como "amigo" e que, no entanto, foi apontado à CPI da Assembleia como membro das milícias de São Gonçalo.

Espera-se que as investigações esclareçam essa zona de sombra, feita de versões e rumores que desviam o foco para outras direções, inclusive a passional. São hipóteses mais que discutíveis. O que não se discute é a certeza de que a juíza Patrícia Acioli estava marcada para morrer, e morreu. O alvo dos 21 tiros que a atingiram era também a própria Justiça, que tinha por obrigação defendê-la.

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