domingo, junho 26, 2011

VINICIUS TORRES FREIRE - Depois do dilúvio de dólares

Depois do dilúvio de dólares
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 26/06/11
No curto prazo, parecem funcionar as medidas do governo com objetivo de conter excessos externos


DURANTE O grande dilúvio de dólares no Brasil, de janeiro até mais ou menos o início de abril, o governo parecia se comportar um tanto como um personagem de desenho animado procurando tapar os sucessivos buracos que aparecem num dique. Começa a cobri-lo com um dedo. Esgotadas as mãos, tapa um buraco com um pé e, enfim, enfia o nariz a fim de evitar que a água passe pela barragem.
O "nariz" foi a entrada em vigor da última rodada do aumento do imposto sobre a entrada de capital estrangeiro, em abril, embora a tendência de queda do fluxo fosse visível desde o fim de março.
De meados de abril para cá, o saldo das entradas e saídas de dólares pelo canal "financeiro" é uma ladeira; está no vermelho desde o fim de maio (na média móvel de 21 dias úteis, algo próximo de um mês).
O tombo da entrada de dólares foi atenuado pela alta das entradas líquidas de dinheiro pelo canal "comercial" (exportações menos importações), elevação significativa e também visível desde meados de abril. Mas, em meados de maio, o saldo total, somados os fluxos pelos segmentos financeiro e comercial, entrou em declínio e está no vermelho quase desde o início do mês.
O ritmo de aumento de elevação das reservas internacionais (dólares "sobrantes" comprados pelo Banco Central) também, claro, declinou, como costuma acontecer, acompanhando mais ou menos o movimento do fluxo de câmbio.
Trata-se de um pequeno alívio, pois comprar e manter reservas custa caro, como se sabe. O governo faz dívida para comprar os dólares. A dívida custa o preço dos juros brasileiros (mais de 12%), enquanto as reservas rendem o equivalente à das taxas de juros no mundo rico (quase zero), grosso modo.
Um objetivo declarado do governo com os controles de capital era impedir o endividamento excessivo em dólares do setor privado, responsável por quase 90% do aumento da dívida externa bruta do país desde 2006. Parece que esse movimento foi pelo menos atenuado. Por fim, parece por ora que se conteve o jorro de liquidez pelo canal externo, de dinheiro demais, que ajudava a expandir ainda mais o crédito, expansão indesejada num momento de alta da inflação.
Desde o final de abril, o dólar ficou mais ou menos estável, flutuando em torno de R$ 1,60. Foi o efeito de reservas mais taxação do capital externo? A ver. Note-se, porém, que a taxa de câmbio efetiva real está mais ou menos na mesma desde janeiro (trata-se de uma medida de taxa de câmbio que considera a inflação e é ponderada pelo valor das moedas de países com os quais o Brasil comercia).
Considere, porém, que este foi um mês em que ferveu a crise grega (com alguma pequena aversão a ativos de risco, como os do Brasil). Em que havia um tico de incerteza sobre o que seria da política monetária dos EUA (se o Fed continuaria a despejar dólares. Não vai, mas não enxugará o excesso tão cedo).
Logo, não é possível dizer que apenas as medidas do governo ajudaram a barrar o dilúvio de dólares. Mas é difícil dizer que as medidas da equipe econômica não funcionaram. Trata-se, em muitos casos, de remendos, de remédios para tratar febres, sintomas, não os problemas subjacentes da economia. No curtíssimo prazo, parece ter dado certo.

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