sábado, junho 25, 2011

MIRIAM LEITÃO - Calma, rapazes


Calma, rapazes
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 25/06/11
Uma foto nos jornais da semana passada mostra Dilma num encontro com governadores. Ela está na frente, cercada por um mar de homens, atrás está Ideli Salvatti. A foto informa: as mulheres começam a chegar no poder que é quase inteiramente masculino no Brasil, como em todos os países, alguns mais, outros menos. Tudo está como antes, as mulheres deram apenas um passo à frente.

Darão outros. Isso é certo. Mas ao volante, no trânsito, quando homens erram é normal; quando mulheres erram vem a frase: "Está vendo? Só podia ser mulher". Na política, qualquer erro será comentado com a mesma atitude. Por outro lado, algumas mulheres reagirão às críticas dizendo que são machistas.

É erro recusar qualquer crítica como sendo machismo; é erro apostar no fracasso só porque as mulheres comandam a Presidência e alguns ministérios-chave. Elas não darão certo por serem mulheres e terem algum dom especial dado pela condição feminina; nem estão condenadas ao fracasso por serem mulheres. Elas têm o direito de governar, errar e acertar, como todos outros. Há mulheres honestas e desonestas; hábeis e inábeis; capazes e incapazes. Como os homens.

Faça uma lista de homens incompetentes que assumiram ministérios, que fizeram feio, que cometeram erros. Ela será extensa, portanto não precisa concluí-la porque não haverá tempo suficiente para tão longa lista. Esse é um assunto complicado em que as palavras podem ser sempre mal interpretadas até entre pessoas que compartilham a mesma visão de mundo, a mesma história, os mesmos valores.

As duas mulheres das quais a presidente Dilma se cercou na última mudança no Ministério não parecem ter as qualidades que se espera dos cargos - capacidade de negociação em Ideli; experiência em Gleisi Hoffmann - mas se falharem, o erro será tratado como coletivo, como uma falha do gênero, como o erro da mulher que faz alguma barbeiragem no trânsito. Apontar essas falhas não é apostar no fracasso delas; é natural a crítica como seria natural se fosse dirigida aos homens.

O que fica de uma leitura dos jornais, comentários, análises e piadas, em geral de mau gosto, sobre o governo Dilma é a sensação de que se instalou uma república de mulheres no Brasil. O poder ainda é essencialmente masculino aqui. Os homens têm 25 dos 27 governos estaduais; mais de 90% dos mandatos na Câmara; mais de 85%, no Senado; 86% dos cargos de direção nas 500 maiores empresas do país. Mulheres ocupam menos ministérios no Brasil do que no governo de Michelle Bachelet no Chile. No mundo inteiro o poder é essencialmente masculino.

Há quem diga que não importa se é mulher ou homem, o importante é que seja competente. Parece simples e meritório o argumento, mas ele deixa de notar as estatísticas acima. O fato é que, apesar de não haver qualquer evidência de que competência ou a falta dela é atributo de gênero, são os homens que governaram a República desde que ela foi proclamada em 1889. Esse monopólio foi quebrado por Dilma Rousseff no dia primeiro de janeiro de 2011. Então importa sim que haja mulheres nos cargos para que se comece a construir a igualdade de oportunidades e comece a ser desmontado um abusivo e odioso monopólio.

Só o mérito nunca rompeu a inércia que dá aos dominantes o domínio como se ele fosse uma capitania. Por isso cada passo desse avanço é importante. A presidência de Dilma Rousseff tem a preocupação de quebra do monopólio dos homens em cargos estratégicos. Ótimo. Mas isso não significa que foi montado um "clube da luluzinha", basta constatar que os homens continuam maioria; nem isso significa que as mulheres não cometerão erros.

A ideia de que exista uma forma feminina de governar é a repetição da visão de que homem é razão, mulher, sentimento; mulher, amor; homem, paixão; mulher é vênus, homem é marte; ou qualquer uma dessas ridículas definições de supostas diferenças que seriam determinadas pelo gênero. Cada pessoa governará com sua capacidade, temperamento, estilo, virtude e defeito que não são condições dadas pelo gênero.

Outro dia, a mais um dos inúmeros empresários que reclamam comigo do suposto apagão de mão de obra que o Brasil estaria vivendo, perguntei se ele poderia explicar, neste contexto de suposta escassez, a razão para o desemprego da mulher ser tão alto. Ele fez cara de espanto e expliquei que pelos dados do IBGE é assim: se for homem, o desemprego é 5%; se for mulher, é 8%. O número das mulheres é de país em crise - afinal os EUA se debatem em grave crise pelos 9% de desemprego. Ele não tinha ideia, alegou que gosta mais de trabalhar com mulher e disse que não sabia explicar o fato. Não há explicação além da discriminação. As mulheres brasileiras pelas estatísticas estão mais qualificadas do que os homens. E têm sido discriminadas.

O preconceito contra as mulheres não acabará porque uma mulher governa o Brasil. O poder continuará por muito tempo majoritariamente masculino no país. As mulheres vêm avançando devagar na política, no mercado de trabalho, nos feudos antes exclusivamente masculinos. Muitas vezes, apesar de todos os méritos, as mulheres serão barradas, como foram no passado. . O poder ainda é masculino. Mas não o será eternamente.

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