sexta-feira, abril 01, 2011

XICO SÁ

A secada perfeita
XICO SÁ

FOLHA DE SÃO PAULO - 01/04/11

AMIGO TORCEDOR, amigo secador, telegrama urgente do corvo Edgar, direto do Dragão, festivo ambiente familiar da av. Beberibe, Recife: "Nunca cheguei tão perto do meu ideal da secada perfeita".
"Como assim, lazarento?", indago. A ave do agouro ludopédico explica: "Derrota do São Paulo, depois de toda a badalação do centésimo gol do Rogério, de festa pirotécnica para o Fabuloso e da quebra de tabu contra o Corinthians".
Tento dizer que são coisas do futebol, um revés não apaga o foguetório são-paulino etc. Ele interrompe: "Pra completar, com gol contra, meu sonho de consumo; Deus do céu, como amo essa espécie de suicídio da bola".
Há realmente uma estranha beleza quando alguém marca contra a sua própria equipe. Um gesto que guarda o encanto de um poema maldito. O gol contra pode ser também um ato falho. É uma vontade que dorme no sótão do inconsciente. Igual quando a gente sabota o grupo ou a nós mesmos.
A noite perfeita, a noite perfeita. O corvo engancha a agulha no disco, enche o saco. "O todo-poderoso, não sei quantas vezes campeão da América e do universo, sucumbe diante do Santinha, não o Santa de Nunes e Fumanchu, o tricolor da quarta divisão do Brasileiro", lasca.
Alto lá, agourento. O Santa ressuscitou qual um Lázaro, é líder do Pernambucano, nem parece mais aquele time vitimado por cartolas que o levaram ao subsolo das divisões nacionais.
Simpático ao tricolor do Arruda, embora tenda a secá-lo domingo, no Clássico das Multidões contra o Sport, o corvo diz, em uma rara vez na vida, que o seu dono está certo. Gracias, miséria ovípara.
Edgar só tem um time: o Íbis, batismo de agourento pássaro do Egito. É o único à prova de decepções. "A gente já sabe a desgraça que vai acontecer de véspera", argumenta. No mais, ele seca, sua grande arte. "Torcer é coisa de ingênuo, não submeto as batidas do meu pobre coração denunciador a essa cartolagem", diz, arrogante.
A noite perfeita. "Rogério Ceni ainda tentou apitar o jogo", sopra a ave lazarenta. "Pode custar a vaga à Libertadores, a obsessão tricolor por excelência", prossegue o repetitivo sujeito.
P.S.: Dedico a coluna a Christopher Jácome, 17, torcedor do Cúcuta assassinado na Colômbia, sábado. O caixão com seu corpo foi levado ao estádio para que o morto se despedisse do seu time. O jogo foi 1 a 1 contra o Envigado. Há quem atribua o "gol espírita" de empate, no final, ao jovem defunto.

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