sábado, abril 23, 2011

RUY CASTRO - O destino do matador


O destino do matador
RUY CASTRO

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/04/11

RIO DE JANEIRO - Na sua ilusão de controlar o universo, Wellington Menezes de Oliveira, o assassino de Realengo, fez exigências em carta que deixou antes de chacinar as crianças e se matar. Decretou que seu corpo não poderia ser tocado por "impuros", como classificou os adúlteros e os fornicadores; que, para seu sepultamento, deveriam banhá-lo, secá-lo e envolvê-lo, despido, num lençol branco; que desejava ser enterrado ao lado de sua mãe, no cemitério do Murundu; e que orassem por ele.
Se isto mitiga o desejo de revanche daqueles que, se pudessem, tê-lo-iam linchado, os últimos desejos de Wellington foram ontem contrariados em toda linha. Ninguém reclamou seu corpo, nem mesmo sua família. Foi sepultado numa cova rasa e sem lápide, nu, sem lençol, e em outro cemitério, o do Caju. Seu caixão não teve cortejo -foi acompanhado por um burocrático funcionário da Santa Casa de Misericórdia. E, em vez de oração, gerou apenas um frio laudo assinado pelo diretor do Instituto Médico Legal.
Mas o pior, para Wellington, já havia acontecido antes, no mesmo dia da chacina. Levado para o IML, ele foi autopsiado. Mãos sob o seu ponto de vista "impuras" devem tê-lo tocado de todo jeito -não se supõe que a equipe de médicos e estagiários seja composta de virgens como ele; bem provável que, nela, houvesse um ou outro adúltero; e, certamente, a maioria deve fornicar segundo a média, uma ou duas vezes por semana.
Mais terrível ainda pode ter sido a própria autópsia, em que seu abdômen foi aberto de alto a baixo, num só corte, como se ele fosse um frango. Depois de, sem muito carinho, extirparem suas entranhas para análise, devem tê-lo costurado às pressas, com um ziguezague de longos pontos "à la diable", antes de mandá-lo para a geladeira.
Ao ditar ordens sobre seu destino, Wellington esqueceu-se de combinar com a posteridade.

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