sábado, abril 23, 2011

MIRIAM LEITÃO - A volta do México


A volta do México 
MIRIAM LEITÃO 

O GLOBO - 23/04/11

O economista mexicano chama-se Brasil. Brasil Alberto Acosta Peña. Ele está otimista em relação à economia do seu país acreditando que a recuperação continua. O México no ano passado cresceu 5,5% e deve crescer 5% este ano, mas parte disso é recuperação depois da queda de 2009. O país enfrenta dois problemas graves decorrentes da longa fronteira com os Estados Unidos.

Ter três mil quilômetros de fronteira com a maior economia do mundo acaba provocando uma excessiva dependência econômica. Além disso, é por lá que passa a droga que vai para o mercado americano. Alguns pontos da fronteira com o México, como Ciudad Juárez, hoje viraram símbolo de violência.

Numa recente viagem feita ao país, a repórter Valéria Maniero recolheu impressões sobre um país que tem essa contradição insanável: por ser tão próximo da maior economia do planeta, tem saltos quando ela cresce; por ser tão próximo, despenca quando os Estados Unidos têm crise.

O jornalista Carlos Mota, colunista de negócios do jornal Milênio Diário, lembra que mais de 80% de tudo o que o México exporta vão para os Estados Unidos. Por isso a economia foi tão afetada pela crise americana, chegando a cair 6,1% em 2009.

- As exportações de manufaturas estão de volta, assim como as de produtos primários. Mas o país tem buscado diversificar seus mercados fazendo acordos comerciais. Vai aprofundar um tratado com a Colômbia, fechar um com o Peru e começar a negociação de outro com o Brasil.

Professor de política comercial da PUC-Rio, Carlos Frederico Coelho conta que o México fez nos últimos anos 44 acordos comerciais, ao contrário do Brasil, que ficou preso no Mercosul. O problema é que o México virou refém desse dilema: quanto mais abre, mais exporta para os Estados Unidos, confirmando a dependência excessiva do mercado americano.

A relação comercial entre Brasil e México está claramente subdimensionada. Poderia ser mais intensa. No primeiro trimestre do ano, o comércio bilateral foi de menos de US$2 bilhões. Entre os dias 13 e 15 de junho haverá uma missão brasileira no México. Eles estiveram aqui uma semana antes do carnaval. Mas segundo o professor brasileiro, há mais interesse de empresários brasileiros do que de mexicanos no acordo. Eles temem a competição do nosso agronegócio, muito mais eficiente do que o deles. O professor acha que os mexicanos enfrentam uma "fadiga do livre comércio" e querem mais política industrial.

Mesmo em crise, o comércio internacional parece vigoroso para os padrões brasileiros. A corrente de comércio chega a meio trilhão de dólares. Em 2010, o México exportou US$298,4 bilhões e importou US$301,4 bilhões, segundo o Instituto Nacional de Geografia e Estatística.

- Os bens manufaturados representam 82,4% do total, petróleo e derivados de petróleo, 14%, e bens agropecuários, 2,8% - diz Brasil.

Quem olha os indicadores do México se espanta com o bom número do desemprego. Afinal, o Brasil está num bom momento, mas tem 6,5% de desemprego. Lá, o dado de março ficou em 5,09%. O que o economista mexicano conta é que a informalidade é muito alta. Problema que conhecemos bem.

- Cerca de 14 milhões de pessoas não contam com emprego formal.

Ele fala de outro fenômeno que os especialistas brasileiros também já detectaram por aqui: os jovens "ni ni", que nem estudam, nem trabalham. No Brasil, o fenômeno é chamado de jovens "nem nem". Segundo o economista, há sete milhões de mexicanos "desiludidos da vida capitalista e sem oportunidades".

O perigo é eles se sentirem atraídos pelo tráfico de drogas que com seus cartéis poderosos dividiu o país e se enfrenta na fronteira com o Exército em batalhas que deixam milhares de mortos. Se o México tiver sucesso nessa guerra, haverá um aumento da escalada que já existe hoje na América Central: o deslocamento da guerra das drogas para países como Guatemala, Nicarágua, Honduras. Segundo reportagem de capa da revista "The Economist", o crime organizado está se movendo do México para os países menores da América Central que, desde o fim das guerrilhas de esquerda, foram esquecidos pelos Estados Unidos. E a revista lembra com seu olhar de mercado: "São os consumidores americanos que estão financiando as gangs das drogas e, em larga medida, são os vendedores americanos de armas que as estão armando".

Voltando ao mercado de trabalho no México, o jornalista Carlos Mota, do Milênio Diário, não mostrou muita confiança no indicador de desemprego porque quem trabalha mesmo que seja uma hora por semana entra como pessoa com emprego na estatística. Ele reclama, ao mesmo tempo, do excesso de rigidez das leis trabalhistas que tornam caro demitir e contratar empregado, fortalecendo a informalidade. Nisso, de novo, o México se parece com o Brasil. Ele pareceu diferente quando Valéria conversou com uma manicure de Acapulco que contou que só tem uma semana de férias remuneradas por ano. Ela achou um espanto haver um mês inteiro no Brasil.

Durante muitos anos, Brasil e México disputaram o lugar de maior economia da América Latina. A recessão de 2009 e a violência provocada pela guerra das drogas fizeram o México ser visto como país em pleno retrocesso. Mas agora, a economia está em plena recuperação, ainda que assombrada por um fantasma que anda também nos rondando: a inflação. Lá tem diretamente a ver com os preços do petróleo.

O nome do economista entrevistado aqui não é Brasil por coincidência. A mãe dele, fanática por futebol, fez uma homenagem ao país vencedor da Copa de 70. O filho, hoje do Centro de Investigação e Docência Econômica do México, nasceu no dia da final, na vitória do Brasil sobre a Itália. 

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