sexta-feira, abril 22, 2011

CRISTIANE SEGATTO - A calvície e a celulite


A calvície e a celulite
CRISTIANE SEGATTO
REVISTA ÉPOCA

Preocupações estéticas consomem muito do nosso humor e do nosso sexo

  Reprodução
CRISTIANE SEGATTO 
Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 15 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo. Para falar com ela, o e-mail de contato écristianes@edglobo.com.br
Algumas preocupações estéticas consomem tanto do nosso bom humor, da nossa alegria, do nosso sexo que vale a pena pensar se é justo o lugar privilegiado que reservamos a elas.
Com tanta conta para pagar, tanto trabalho a fazer, tanta vida para viver por que insistir em aplicar mais algumas autochibatadas morais quando encaramos o espelho na saída do banho?
Por que os rapazes se importam tanto com uns fios a menos no alto da cabeça? Por que as meninas se abalam tão profundamente quando descobrem novos furinhos no bumbum? A calvície dos rapazes e a celulite das meninas são parte do mesmo fenômeno. Só viraram um problema porque nossa cultura, tão influenciada pela indústria de celebridades, só enxerga beleza naquilo que é previsível, padronizado, artificialmente criado.
Quem está fora do padrão que atualmente parece ser o único aceitável sofre. É comum encontrar moças inseguras e com a autoestima abalada mesmo quando os namorados dizem que elas são incrivelmente atraentes. Eles repetem, mas elas não acreditam que os moços não estão nem um pouco incomodados com a celulite ou com as gordurinhas a mais de suas namoradas.
Não dizem isso porque são bonzinhos. Dizem o que sentem. Desde o início dos tempos, a sopa de hormônios que garante a atração sexual entre um homem e uma mulher é regida por critérios muito mais importantes para a perpetuação da espécie, do que esses detalhes estéticos. Para a natureza, celulite é irrelevante.
Não estou dizendo nenhuma novidade. Isso é conhecido e debatido há muito tempo. O que talvez falte discutir é que a careca virou a nova celulite. Muitos rapazes andam sofrendo excessivamente por estar perdendo fios de cabelo enquanto boa parte das mulheres (a maioria, talvez) não se importa nem um pouco com isso.
Qual é o problema de um rapaz ser careca? Ou de um homem ir perdendo a maior parte dos fios à medida que os anos passam? Muitas moças na faixa dos 30 reclamam que é difícil arrumar namorado, que os raros homens disponíveis querem todas e não querem nenhuma e por aí vai. Fico, então, imaginando a cena:
Uma moça telefona para a amiga e diz que quer apresentar um colega: 
– Você precisa conhecê-lo. Tem tudo a ver. É inteligente, bem-humorado, gentil, atraente... 
– Sério? Hoje ou amanhã? 
– Você que sabe. Só tem um detalhe... 
– Qual? 
– Ele é careca. 
– Isso não é problema. É solução. Manda o moço lá pra casa.
Não conheço nenhuma garota que tenha dispensado um rapaz interessante só porque ele era careca. Talvez isso seja mais comum do que imagino, mas nunca vi. Há um fator muito mais importante do que os cabelos no jogo de sedução que marca todo início de relacionamento: a primeira transa. É ali que os dados são lançados.
Dificuldades de libido e ereção são um problema infinitamente mais grave do que a calvície. Homens que tomam finasterida, o remédio mais usado para combater a perda de cabelo, correm risco de apresentar problemas sexuais. Isso é conhecido desde 1998 (quando o remédio foi lançado) e descrito em bula. Até o início de abril, o que se sabia era o que a Merck Sharp&Dohme (MSD), fabricante da principal marca (Propecia), informava na bula: os problemas sexuais seriam revertidos em, no máximo, três meses após a interrupção do tratamento.
Um alerta lançado pelo endocrinologista Michael S. Irwig, da Universidade George Washington, indica que o problema pode ser mais grave. Irwig entrevistou 71 homens (entre 21 e 46 anos) que tomavam o remédio e relataram dificuldades sexuais.
Nesse grupo específico (que claramente não representa todo o universo de usuários do remédio), 94% tiveram redução da libido, 92% sofreram disfunção erétil e 69% apresentaram dificuldades de atingir o orgasmo.
Os problemas - e essa é a grande novidade, em relação ao que se sabia sobre o produto - persistiram em média 40 meses depois da interrupção do tratamento. “Um em cada cinco homens relatou dificuldades até cinco anos depois de parar de tomar o remédio”, me disse Irwig. O artigo dele foi publicado no Journal of Sexual Medicine.
O endocrinologista diz que decidiu investigar o assunto depois de ser procurado por muitos pacientes que tomavam o remédio e passaram a apresentar dificuldades sexuais. Alguns desses pacientes participam do sitewww.propeciahelp.com. É um espaço para troca de depoimentos e informações sobre possíveis medidas jurídicas contra os fabricantes. 
No Canadá, os pacientes que atribuem seus problemas sexuais ao uso de finasterida entraram com uma ação judicial contra a Merck. Nos Estados Unidos, os homens que se julgam prejudicados estudam fazer o mesmo.
No Brasil, a MSD informa que não foi processada por nenhum paciente. Segundo a empresa, nos estudos realizados com 3.200 pacientes, apenas 1,8% sofreu efeitos colaterais como diminuição da libido, disfunção erétil e redução do volume ejaculatório. Os efeitos teriam sido revertidos em poucas semanas ou, no máximo, um trimestre.
“Esse novo estudo não foi feito com rigor científico. Para a empresa, nada muda”, diz João Sanches, diretor de acesso ao mercado e relações governamentais da Merck Sharp&Dohme. O estudo de Irwig tem limitações. A principal delas é ter sido realizado apenas por meio de entrevistas telefônicas, sem avaliações clínicas ou análises laboratoriais.
Por mais limitado que seja, o estudo serve de alerta. Talvez seja o momento de investigar melhor a relação entre o tratamento da calvície e a disfunção sexual. Muitos dos rapazes entrevistados por Irwig passaram longos meses se tratando com psicólogos e procurando médicos de várias especialidades sem que nenhum deles ao menos perguntasse se tomavam finasterida.
No Brasil, não deve ser diferente. Um milhão e meio de pessoas tomam finasterida no país para tratar calvície. O mercado é dominado pelos genéricos. A finasterida é vendida por 22 empresas em 29 apresentações diferentes. A MSD, que lançou o Propecia em 1998, tem atualmente apenas 1,5% do mercado brasileiro de finasterida.
Muitos dermatologistas dizem que a droga é segura. “Não podemos encarar esse estudo como se ele fosse uma verdade absoluta”, diz Francisco Le Voci, membro do departamento de cabelos da Sociedade Brasileira de Dermatologia. “Tratei cerca de 5 mil pacientes com esse remédio. Uns 2% reclamaram de redução de libido, mas o problema sempre foi transitório”, afirma.
No Reino Unido e na Suécia, as agências regulatórias passaram a informar os pacientes de que houve relatos de disfunção erétil persistente mesmo depois da interrupção do tratamento. 
Antes de decidir começar a tomar um remédio, é fundamental dimensionar o problema que ele pode evitar e compará-lo com o tamanho do dano que ele pode causar. Vale a pena evitar a calvície e ficar impotente, ainda que a probabilidade disso ocorrer seja pequena?
Essa é uma decisão pessoal que precisa ser tomada de forma consciente e informada. Mas talvez seja o momento de contribuir para a autoestima dos rapazes que estão tão preocupados com os cabelos. Preparamos uma galeria de homens famosos que têm entradas acentuadas ou são completamente carecas.

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