terça-feira, março 08, 2011

RUY CASTRO

De um jeito ou de outro, será sempre Carnaval
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 08/03/11

O CARNAVAL de hoje não é mais o dos meus dez anos, em que meu pai me punha um lança-perfume na mão e me deixava na porta do baile infantil, fantasiado de Zorro. Nem o dos meus 20 anos, já como repórter, cobrindo o baile do Quitandinha para a "Manchete". Nem o dos meus 30, 40, 50 ou 60.
A cada década, novidades se incorporaram, nem todas do meu agrado. Nem por isso o Carnaval deixou de acontecer, para gáudio das gerações que o adotaram como seu e que também não devem ter gostado das novidades que se incorporaram. O Carnaval muda. Mas, em seus 300 anos de história só no Rio, "puro" e inocente ele nunca foi.
Nos séculos 18 e 19, consistia em molhar e humilhar as pessoas. Aos poucos, a agressividade foi dando lugar à alegria, à dança e a uma quase libertinagem. E, desde sempre, submeteu-se ao comércio. Por que, em 1906, surgiu o Carnaval do confete, da serpentina e do lança-perfume? Porque firmas brasileiras resolveram importá-los da França.
Não temos mais as marchinhas? Mas só as tivemos por pouco mais de 30 anos, de 1930 a meados dos anos 60. Significa que, antes de 1930, não tínhamos Carnaval? E como era a música de Carnaval antes delas? Era a que se cantava no resto do ano. Isso quer dizer que as marchinhas nos foram impostas pela Victor e pela Odeon, gravadoras estrangeiras que começavam a se instalar aqui?
E quem inventou o concurso das escolas? Os negros que "desceram dos morros"? Não. Foram os jornalistas, aliados dos foliões e que, desde o século 19, viam no Carnaval uma forma de vender jornal. Mas só em 1932 Mario Filho teve a ideia de criar um desfile oficial.
Sim, hoje o desfile das escolas está mais para um grande teatro a céu aberto, e o apelo visual esmaga a qualidade musical -não que essa fosse uma característica das escolas. Mas, há mais de 40 anos, acontece a mesma coisa na Broadway, em Nova York: os efeitos especiais para turistas sufocaram a produção de grandes melodias. Aliás, nenhum país produz hoje grandes melodias -todos continuam a cantar as velhas.
Mesmo assim, na Sapucaí, às vezes se assiste a grande samba no pé, como o dos passistas mirins da Portela, o show da bateria da Imperatriz e o possante samba que pontuou ritmicamente as loucuras de Paulo Barros na Unidos da Tijuca, na noite de domingo.
Noite que viu também a presença de Paulinho da Viola na avenida e a estreia do rubro-negro Ronaldinho Carioca (ex-Gaúcho, desfilando de graça por Portela e Mangueira) e de Gisele Bündchen (pela Vila Isabel, mas provavelmente patrocinada por um fabricante de xampu).
Um dia, talvez, as escolas troquem de vez seus passistas por trapezistas e seus diretores de harmonia por engenheiros hidráulicos. Mas, gostemos ou não, ainda será Carnaval.

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