sábado, março 05, 2011

RUY CASTRO

Sambândrade
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 05/03/11
RIO DE JANEIRO - O mundo já foi sério demais. Em 1971, duas alunas do primeiro ano de comunicação de uma faculdade do Rio foram ameaçadas de reprovação se apresentassem seu trabalho de fim de ano num formato heterodoxo: música e letra de um samba-enredo.
Nos meses anteriores, embora a maioria daqueles rapazes e moças se destinasse ao ofício do jornalismo, termos como copidesque, lide, sublide e calandra ficaram inéditos na boca dos professores. O básico que se exige de um repórter -saber fazer perguntas, ouvir respostas, organizar o material e editá-lo da forma mais clara, objetiva e verdadeira possível- continuava um mistério para a classe.
Em compensação, os alunos passaram o ano submetidos a um cardápio sólido de fenomenologia das formas simbólicas, princípios de semiótica, teoria da comunicação não verbal, antropofagia aplicada, Joyce, Pound e, não por último, Sousândrade (1833-1902), o trágico poeta então recém-descoberto.
Incapazes de entender a relação entre tais prosopopeias e o trabalho num jornal diário ou revista, duas alunas, Heloisa e Regina, traduziram sua perplexidade e a da turma numa paródia de samba-enredo a que deram o título de "Sambândrade". Dizia assim:
"Foi no século passado/ Que nasceu iluminado/ Pela luz da inteligência/ Um homem que foi sempre atacado/ Como louco apedrejado/ No Maranhão e adjacências// Sua poesia futurista/ Pelo povo foi malvista/ E incompreendida/ Afinal/ Ele foi o precursor/ Incondicional/ Da estrutura verbivocovisual// Da antropofagia/ E da vanguarda no Brasil/ Que no conjunto vazio construiu/ A paródia, a ironia e coisa e tal// Atenção pro final!// Sousândrade, Sousândrade/ Baluarte da cultura nacional!".
Fosse hoje essa história, em qualquer das nossas universidades, Regina e Heloisa talvez ganhassem nota máxima.

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