O mundo ainda está perigoso
JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
O Estado de S.Paulo - 20/03/11
Prometi em meu último artigo continuar a análise das dificuldades enfrentadas pela produção nacional, especialmente industrial, para crescer. Mas os acontecimentos das duas últimas semanas praticamente obrigam o analista a falar da situação internacional e deixar para mais adiante a questão do crescimento potencial.
Defendi aqui, por mais de uma vez, que a economia mundial irá crescer relativamente bem em 2011 e 2012. A expansão asiática parece firme, ainda que pesem as tentativas das autoridades, especialmente as chinesas, para reduzir as pressões inflacionárias; a expressiva recuperação da economia americana é cada vez mais evidente; Alemanha, Holanda, França, Polônia e países nórdicos ostentam um crescimento sólido. Mesmo a ameaça ao euro, colocada pelas crises de dívida do sul do continente, parece mais bem encaminhada, pela seriedade com que a maioria dos países tem encarado a questão fiscal, e pela crescente aceitação que uma reestruturação da dívida, pelo menos no caso grego, será inevitável.
Entretanto, considerem os seguintes fatos: os preços de commodities, exceto petróleo, caíram bem nos últimos dias; o Banco Central Europeu e o Banco da Inglaterra sugeriram que irão brevemente apertar a política monetária para lidar com a elevação da inflação; o Japão foi assolado por um fortíssimo terremoto, um tsunami, um grave acidente em usinas nucleares, que provocaram uma crise humana e social, com fortes impactos econômicos (justamente quando se anunciava um crescimento do PIB em 2010, uma cruel ironia); e, finalmente, o conflito na Líbia escalou para uma guerra civil (culminando, inclusive, na decisão do Conselho de Segurança da ONU em intervir no conflito) enquanto movimentos oposicionistas crescem em Bahrein e na Arábia Saudita.
A pergunta que se coloca é se o cenário de crescimento mundial se mantém ou não. Em nossa opinião a resposta depende essencialmente do que ocorrer com o suprimento de petróleo, embora seja evidente que o risco se elevou e a nebulosidade seja maior. Está mal informado aquele que acha que sabe tudo o que está acontecendo.
Analisamos a seguir estes diversos eventos para submeter aos leitores o porquê de nossa conclusão.
Oriente Médio e preço de petróleo: Antes mesmo dos eventos que se iniciaram com a revolta no Egito já estava claro que o mercado de petróleo estava muito apertado e os preços já apontavam para a faixa de US$ 100. Com o forte crescimento dos mercados emergentes, a demanda global cresceu 2,7 milhões de barris/dia em 2010 e tem projetado um novo crescimento de 1,4 milhão neste ano, atingindo 89 milhões de barris/dia. A oferta vem acompanhando com dificuldade este crescimento, o que levou a uma queda dos estoques. Ainda assim, o crescimento chinês seguia forte, assim como a recuperação americana. Naturalmente, a escalada de conflitos elevou a apreensão de todos, especialmente depois que a situação na Líbia escalou para uma guerra civil. Este país produzia algo como 1,6 milhão de barris/dia, quantidade que se reduziu substancialmente com o conflito, mas não levou a uma explosão descontrolada de preços porque a Arábia Saudita, que tem uma capacidade ociosa de algo como 3 milhões de barris, anunciou que elevaria a produção, garantindo os embarques. O jogo principal se deslocou para uma eventual ocorrência de problemas no reino saudita, algo que os iranianos gostariam muito de ver, especialmente por estimular a revolta xiita em Bahrein. Enquanto escrevo este artigo não existe evidência de riscos iminentes para Riad, e a oferta de petróleo segue apertada, porém fluindo. Se isto continuar, como acredito, o preço do óleo ficará em torno de US$ 100 e a grande ameaça para a economia mundial não se concretizará. Em caso de um conflito maior, os preços sairiam de controle e o crescimento global poderia ser severamente comprometido. Mais uma vez, acredito que aqui está o único grande risco à expansão global.
Preços de commodities: A queda das cotações, antes de tudo, reflete a diminuição das posições compradas frente a uma abrupta elevação dos riscos de um conflito maior no Oriente médio, do tamanho dos estragos no Japão e, especialmente, de uma possível redução no crescimento chinês. O curso futuro dependerá de uma avaliação mais precisa de todos estes elementos. Como colocamos acima se o fluxo de petróleo se mantiver, o crescimento da China será pouco afetado e, em consequência, os preços deverão voltar e refletir os fundamentos dos mercados, recuperando parte das quedas recentes. No caso mais específico dos preços agrícolas é útil relembrar que a demanda continua forte e os choques de oferta ainda estão presentes. Por exemplo, há poucos dias o New York Times publicou uma matéria mostrando que a produção de café na Colômbia despencou de 15 para 8 milhões de sacas no ano passado, especialmente por conta do aparecimento da ferrugem (velha conhecida dos brasileiros). A elevação das temperaturas e chuvas torrenciais permitiram o aparecimento da praga, que não existia na região. Criou-se uma aguda escassez de cafés finos no mercado, que não será resolvida no curto prazo, o que empurrou as cotações para níveis bastante elevados. Por outro lado se as safras das Américas forem realmente boas, como será a brasileira, os preços de grãos podem cair alguma coisa no segundo semestre.
Elevação dos juros na Europa: A inflação cheia atingiu 4,0% na Inglaterra e 2,4% na zona do euro, enquanto os núcleos foram, respectivamente, de 3,0 e 1,2%, o que levou os respectivos Bancos Centrais a sugerir uma elevação nas taxas de juros para breve. Neste caso a retomada inglesa ficará prejudicada e a situação do sul da Europa mais difícil; entretanto, não acredito que a força da economia alemã, holandesa ou nórdica será severamente prejudicada, desde que, mais uma vez, o suprimento do petróleo não seja fortemente prejudicado.
Japão: A catástrofe japonesa é gigantesca, mesmo não sabendo ainda como terminará o acidente nuclear e, portanto, de todos os seus custos humanos, sociais, ambientais, de infraestrutura e econômicos. É realmente uma cruel ironia este choque quando parecia que o país poderia iniciar uma recuperação econômica, depois de muito tempo de estagnação. Embora possa se dizer que os gastos com a recuperação irão gerar algum alento para a atividade econômica, parece-me claro que o vetor resultante é recessivo. Entretanto, nosso cenário básico de crescimento mundial não previa nenhuma contribuição significativa da economia japonesa. Mais uma vez, o crescimento da Ásia emergente, dos Estados Unidos, do norte da Europa e de países produtores de commodities (Canadá, Austrália, Brasil, etc.) é que dará o resultado deste ano.
Embora a volatilidade e a incerteza tenham se elevado, a oferta de petróleo é que dará o tom do crescimento. Se o fluxo de produção e embarque de óleo continuar, nosso cenário básico de crescimento deverá prevalecer. Entretanto, como filho de mineiro que sou, tenho que lembrar que cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém numa situação desta. Definitivamente, não é hora de esperteza.
PS: Este artigo foi escrito na sexta-feira, 18 de março.
ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS
Defendi aqui, por mais de uma vez, que a economia mundial irá crescer relativamente bem em 2011 e 2012. A expansão asiática parece firme, ainda que pesem as tentativas das autoridades, especialmente as chinesas, para reduzir as pressões inflacionárias; a expressiva recuperação da economia americana é cada vez mais evidente; Alemanha, Holanda, França, Polônia e países nórdicos ostentam um crescimento sólido. Mesmo a ameaça ao euro, colocada pelas crises de dívida do sul do continente, parece mais bem encaminhada, pela seriedade com que a maioria dos países tem encarado a questão fiscal, e pela crescente aceitação que uma reestruturação da dívida, pelo menos no caso grego, será inevitável.
Entretanto, considerem os seguintes fatos: os preços de commodities, exceto petróleo, caíram bem nos últimos dias; o Banco Central Europeu e o Banco da Inglaterra sugeriram que irão brevemente apertar a política monetária para lidar com a elevação da inflação; o Japão foi assolado por um fortíssimo terremoto, um tsunami, um grave acidente em usinas nucleares, que provocaram uma crise humana e social, com fortes impactos econômicos (justamente quando se anunciava um crescimento do PIB em 2010, uma cruel ironia); e, finalmente, o conflito na Líbia escalou para uma guerra civil (culminando, inclusive, na decisão do Conselho de Segurança da ONU em intervir no conflito) enquanto movimentos oposicionistas crescem em Bahrein e na Arábia Saudita.
A pergunta que se coloca é se o cenário de crescimento mundial se mantém ou não. Em nossa opinião a resposta depende essencialmente do que ocorrer com o suprimento de petróleo, embora seja evidente que o risco se elevou e a nebulosidade seja maior. Está mal informado aquele que acha que sabe tudo o que está acontecendo.
Analisamos a seguir estes diversos eventos para submeter aos leitores o porquê de nossa conclusão.
Oriente Médio e preço de petróleo: Antes mesmo dos eventos que se iniciaram com a revolta no Egito já estava claro que o mercado de petróleo estava muito apertado e os preços já apontavam para a faixa de US$ 100. Com o forte crescimento dos mercados emergentes, a demanda global cresceu 2,7 milhões de barris/dia em 2010 e tem projetado um novo crescimento de 1,4 milhão neste ano, atingindo 89 milhões de barris/dia. A oferta vem acompanhando com dificuldade este crescimento, o que levou a uma queda dos estoques. Ainda assim, o crescimento chinês seguia forte, assim como a recuperação americana. Naturalmente, a escalada de conflitos elevou a apreensão de todos, especialmente depois que a situação na Líbia escalou para uma guerra civil. Este país produzia algo como 1,6 milhão de barris/dia, quantidade que se reduziu substancialmente com o conflito, mas não levou a uma explosão descontrolada de preços porque a Arábia Saudita, que tem uma capacidade ociosa de algo como 3 milhões de barris, anunciou que elevaria a produção, garantindo os embarques. O jogo principal se deslocou para uma eventual ocorrência de problemas no reino saudita, algo que os iranianos gostariam muito de ver, especialmente por estimular a revolta xiita em Bahrein. Enquanto escrevo este artigo não existe evidência de riscos iminentes para Riad, e a oferta de petróleo segue apertada, porém fluindo. Se isto continuar, como acredito, o preço do óleo ficará em torno de US$ 100 e a grande ameaça para a economia mundial não se concretizará. Em caso de um conflito maior, os preços sairiam de controle e o crescimento global poderia ser severamente comprometido. Mais uma vez, acredito que aqui está o único grande risco à expansão global.
Preços de commodities: A queda das cotações, antes de tudo, reflete a diminuição das posições compradas frente a uma abrupta elevação dos riscos de um conflito maior no Oriente médio, do tamanho dos estragos no Japão e, especialmente, de uma possível redução no crescimento chinês. O curso futuro dependerá de uma avaliação mais precisa de todos estes elementos. Como colocamos acima se o fluxo de petróleo se mantiver, o crescimento da China será pouco afetado e, em consequência, os preços deverão voltar e refletir os fundamentos dos mercados, recuperando parte das quedas recentes. No caso mais específico dos preços agrícolas é útil relembrar que a demanda continua forte e os choques de oferta ainda estão presentes. Por exemplo, há poucos dias o New York Times publicou uma matéria mostrando que a produção de café na Colômbia despencou de 15 para 8 milhões de sacas no ano passado, especialmente por conta do aparecimento da ferrugem (velha conhecida dos brasileiros). A elevação das temperaturas e chuvas torrenciais permitiram o aparecimento da praga, que não existia na região. Criou-se uma aguda escassez de cafés finos no mercado, que não será resolvida no curto prazo, o que empurrou as cotações para níveis bastante elevados. Por outro lado se as safras das Américas forem realmente boas, como será a brasileira, os preços de grãos podem cair alguma coisa no segundo semestre.
Elevação dos juros na Europa: A inflação cheia atingiu 4,0% na Inglaterra e 2,4% na zona do euro, enquanto os núcleos foram, respectivamente, de 3,0 e 1,2%, o que levou os respectivos Bancos Centrais a sugerir uma elevação nas taxas de juros para breve. Neste caso a retomada inglesa ficará prejudicada e a situação do sul da Europa mais difícil; entretanto, não acredito que a força da economia alemã, holandesa ou nórdica será severamente prejudicada, desde que, mais uma vez, o suprimento do petróleo não seja fortemente prejudicado.
Japão: A catástrofe japonesa é gigantesca, mesmo não sabendo ainda como terminará o acidente nuclear e, portanto, de todos os seus custos humanos, sociais, ambientais, de infraestrutura e econômicos. É realmente uma cruel ironia este choque quando parecia que o país poderia iniciar uma recuperação econômica, depois de muito tempo de estagnação. Embora possa se dizer que os gastos com a recuperação irão gerar algum alento para a atividade econômica, parece-me claro que o vetor resultante é recessivo. Entretanto, nosso cenário básico de crescimento mundial não previa nenhuma contribuição significativa da economia japonesa. Mais uma vez, o crescimento da Ásia emergente, dos Estados Unidos, do norte da Europa e de países produtores de commodities (Canadá, Austrália, Brasil, etc.) é que dará o resultado deste ano.
Embora a volatilidade e a incerteza tenham se elevado, a oferta de petróleo é que dará o tom do crescimento. Se o fluxo de produção e embarque de óleo continuar, nosso cenário básico de crescimento deverá prevalecer. Entretanto, como filho de mineiro que sou, tenho que lembrar que cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém numa situação desta. Definitivamente, não é hora de esperteza.
PS: Este artigo foi escrito na sexta-feira, 18 de março.
ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS
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