quarta-feira, fevereiro 02, 2011

MERVAL PEREIRA

Em cima do muro
 Merval Pereira
O GLOBO - 02/02/11

Há um descompasso evidente entre o que acontece nas ruas do Egito e a reação dos governos ocidentais. Tanto quanto os Estados Unidos, os governos europeus estão muito cautelosos no tratamento diplomático da crise política que já derrubou o ditador da Tunísia e está colocando num aparente beco sem saída o ditador egípcio Hosni Mubarak, que piscou ao anunciar que não se candidatará a mais uma reeleição.

Não houve uma manifestação oficial da União Europeia, e os países tratam da questão com a prudência de quem ainda não sabe para que lado o vento está soprando.

Os governos da França, da Inglaterra e da Alemanha soltaram uma nota conjunta muito cautelosa, ainda procurando um papel para a ditadura de Hosni Mubarak.

Os europeus destacam o papel "conciliador" sempre exercido pelo governo do Egito na região para desejar que também agora na crise Mubarak se porte como um conciliador.

O presidente francês Nicolas Sarkozy esteve na reunião da União Africana em Adis Abeba, mas não se aprofundou na questão egípcia.

Disse apenas platitudes sobre a violência como uma maneira errada de buscar a solução de problemas.

Sem as amarras políticas que impedem uma explicitação de posição, nos debates no recente Fórum Econômico Mundial, houve um consenso de que o Egito seguirá o modelo da Tunísia, embora as situações sejam bastante diferentes.

A situação de desemprego maciço, um alto nível de pobreza e uma juventude em ebulição formam um quadro no Egito muito favorável a uma verdadeira revolução que não terá Mubarak à frente.

A juventude egípcia acredita na democracia nos termos ocidentais, e por isso é improvável um novo ditador ou um golpe militar, pois eles já viram esse modelo falir através do mundo árabe.

Os primeiros movimentos de Mubarak para amenizar a situação, indicando o vice-presidente e alterando seu Ministério não foram suficientes, assim como de nada valeu sua promessa de antecipar as eleições e não se candidatar.

Os egípcios querem uma mudança completa, querem ser tratados como cidadãos e ser ouvidos.

Dois ministros tunisianos, Yassine Brahim, ministro da Infraestrutura e Transportes, e Mustapha Kamel Nabli, presidente do Banco Central, fizeram parte do debate em Davos, que foi intermediado por Raghida Dergham, correspondente diplomático e colunista do "Al Hayat", dos Estados Unidos, e teve ainda a participação de Khalid Abdulla-Janahi, dos Emirados Árabes Unidos, Moncef Cheikh-Rouhou, professor de Finanças Internacionais da Escola de Administração da França, e Nkosana D. Moyo, vice-presidente e chefe de operações do Banco de Desenvolvimento da África com sede na Tunísia.

A dúvida era se os protestos nas ruas resultariam em uma saída negociada de Mubarak ou se haveria um banho de sangue.

Diante da posição dos militares de não atacar a população, tudo indica que está superada a possibilidade de um enfrentamento sangrento.

A revolta política na Tunísia, o país mais urbano e educado do Magreb, é considerada um ponto de partida para uma mudança no Oriente Médio e no Norte da África.

As sementes de mudança deixadas pela chamada "Revolução de Jasmin" estão já se enraizando e crescendo na região.

A revolução lançada pelas redes de relacionamento como Facebook tinha um campo fértil para se espalhar: uma classe média importante, com taxa de possuidores de casa própria de 80%, sem problemas étnicos ou religiosos, uma tradição de ser um estado robusto e bem organizado.

Houve desde o início na Tunísia, e parece estar acontecendo o mesmo agora no Egito, uma colaboração entre os militares e a população revoltada.

Um exemplo dessa integração foi a denúncia, através de mensagens de texto, diretamente para o site das Forças Armadas, da existência de franco-atiradores em alguns edifícios.

De posse da informação, os militares enviavam helicópteros para prender os atiradores.

Assim como no Egito, é a juventude que esteve à frente do movimento de revolta na Tunísia, utilizando-se das redes sociais e do twitter para se organizar.

No dia seguinte da queda do ditador Ben Ali, um dos novos ministros despachava através do twitter. Nas paredes era possível ler palavras de ordem oriundas dos movimentos estudantis de 1968 em Paris: "Democracia é um bom investimento".

A "Revolução de Jasmim" derrubou um mito que serviu para sustentar ditaduras em todo o mundo árabe, o de que haveria "ou uma ditadura ou o Talibã", ou a " Irmandade Muçulmana" no caso do Egito.

Pelo menos na Tunísia, e tudo caminha para que seja assim também no Egito, a revolução veio respeitando as instituições, e a mudança de regime foi feita dentro das regras da lei.

As instituições governamentais estão intactas e existe a previsão de convocar eleições dentro de seis meses.

Mubarak tentou um acordo com base na convocação de eleições para setembro, e os governos ocidentais que o apoiaram esses anos todos ainda estão na posição de defender uma "transição pacífica", o que significaria que ele controlaria o processo de sua substituição, o que não parece estar de acordo com o pensamento da maioria da população, que quer sua saída imediata do poder.

Mas tudo indica que esteja no fim a ditadura de Hosni Mubarak no Egito, e é previsível que daqui por diante as declarações dos países ocidentais serão cada vez mais distante de uma posição neutra como a atual.

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