O cinismo dos governistas não é mais indecoroso que a covardia da oposição
AUGUSTO NUNES
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Em meados de 2009, como lembra o post reproduzido na seção Vale Reprise, a descoberta de mais de mil atos secretos nas catacumbas do Senado só não devolveu José Sarney à capitania hereditária do Maranhão porque Lula socorreu a tempo o Homem Incomum. Os focos de resistência foram sufocados pela ofensiva brutal empreendida por milicianos do PT, veteranos mercenários e cangaceiros arrendados. A quadrilha do faroeste subjugou o vilarejo.
Passados menos de dois anos, os mocinhos sumiram. Nas imagens da animadíssima festa de abertura do ano legislativo, os rebeldes de 2009 ─ um punhado de petistas constrangidos, dissidentes do PMDB e tucanos ou demos não domesticados ─ apareceram misturados à multidão de vilões para reverenciar o chefe do bando. Desde quarta-feira, Sarney está no comando da instituição em adiantado estado de decomposição moral não porque Dilma Rousseff exigiu. O morubixaba octogenário manteve o bastão de mando porque assim decidiram 70 dos 81 integrantes da tribo.
Diante de um plenário lotado, o orador enfadonho transformou o portentoso prontuário num monumento à ética, à transparência e aos bons costumes. Ninguém discordou. Faltou plateia para o curto discurso em que o senador Randolfe Rodrigues, do PSOL do Amapá, acendeu um fósforo na escuridão ao justificar a decisão de concorrer sem chances: “Minha candidatura é uma forma de dizer não à prática de jogar os graves problemas éticos do Senado para debaixo do tapete. Defendo a revisão de todos os contratos e profunda auditoria nas contas da casa. E, principalmente, total transparência nas contas da casa”. Teve oito votos. Um senador anulou o voto e dois votaram em branco.
Não cabe ao governador fazer oposição, recitam de meia em meia hora os governadores eleitos por partidos de oposição. Nem aos senadores, berrou a rendição sem luta à turma das cavernas. O cinismo dos governistas não é mais indecoroso que a covardia dos oposicionistas. A transformação de uma instituição indissociável do Estado Democrático de Direito numa Casa do Espanto a serviço do Planalto é uma obra coletiva. Deve ser debitada na conta da vigarice suprapartidária.
No mundo inteiro, são os partidos que procuram eleitores. Só aqui milhões de eleitores, inconformados com os estragos produzidos pela Era da Mediocridade, procuram há muito tempo um partido que saiba representá-los. Nesta semana, não encontraram sequer um senador com suficiente altivez para avisar que cada voto dado a Sarney por um oposicionista seria um tapa na cara do Brasil decente. Foram muitos. Nenhum será esquecido.
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