domingo, janeiro 30, 2011

SILVANA ARANTES

Ana e o do-in
SILVANA ARANTES
FOLHA DE SÃO PAULO - 30/01/11


Ao se tornar ministro da Cultura, em 2003, Gilberto Gil disse que era preciso "fazer uma espécie de do-in antropológico, massageando pontos vitais do corpo cultural do país, para avivar o velho e atiçar o novo".
Ana de Hollanda, que assumiu a pasta neste mês, parece preferir o reiki. A ministra afastou as mãos do ponto que a gestão Gil (2003-2008) e a de seu sucessor, Juca Ferreira, mais pressionaram, embora sem resultados concretos.
Trata-se do propósito de reordenar o sistema de patrocínio a produções culturais, consignado num projeto que extingue a lei federal de incentivo à cultura (Rouanet) e a substitui por mecanismos que conferem ao MinC mais autonomia para gerir os recursos hoje movimentados via lei (cerca de R$ 1 bilhão/ ano).
Discutido ao longo de quase todo o governo Lula, o projeto de reforma da Lei Rouanet só conseguiu ir ao Congresso no início de 2010. Em dezembro passado, escalou o primeiro degrau -foi aprovado pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara.
Se Gil evidenciou sua meta já no discurso de posse, quando tomou distância dos "caprichos do deus-mercado" e afirmou a necessidade de regulá-lo, para corrigir suas distorções, Ana de Holanda fez o mesmo, pelo caminho inverso ao da veemência.
A ministra não pronunciou uma única vez o vocábulo "mercado" na fala de sua posse. Quando se referiu à Lei Rouanet, o fez de forma indireta e em tom crítico, dizendo ser preciso "descentralizar sem deserdar".
A concentração de patrocínios da Rouanet no Sudeste, tida como antirrepublicana pelo duo Gil/Juca, era o pilar do discurso por uma reforma da lei que pulverize seus recursos pelas demais regiões.
Ao Congresso, Ana de Hollanda rogou agilidade na aprovação do Vale Cultura, que vem a ser um programa de subvenção do consumo cultural. Nenhuma palavra sobre a Lei Rouanet.
A ministra disse e reiterou que a figura do artista será o foco de suas atenções e ações. No que tange os criadores, ela também se distanciou da gestão anterior.
Estava em curso no MinC a ideia de rever a lei do direito autoral pelo viés da "flexibilização" dos direitos de autor, dado o cenário de crescente difusão digital de produtos culturais. O freio da ministra a esse objetivo foi suave, mas inequívoco.
A julgar por seus passos iniciais e pela promessa de "continuar sem repetir", é provável que Ana de Hollanda não promova nem fortes recuos -temor dos simpatizantes da dupla Gilberto Gil/Juca Ferreira- nem redirecionamento das políticas do MinC- anseio dos adversários da gestão passada. Mas apenas deixe tudo como está. Ou não.
SILVANA ARANTES é editora-adjunta da Ilustrada.

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