sábado, janeiro 29, 2011

CLÓVIS ROSSI

Crise cria "dilema da foto" para Dilma
CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/01/11
Cúpula com países árabes, prevista para o mês que vem, muda de caráter com as recentes rebeliões


A CRISE no mundo árabe acabará criando para a presidente Dilma Rousseff o que eu chamaria de "dilema da foto".
Explico: Dilma confirmou presença na ASPA, a reunião de cúpula América do Sul/Países Árabes, a realizar-se no mês que vem em Lima, no Peru.
Também tinham presença pelo menos prometida muitos dos mandatários árabes, inclusive aqueles, como Hosni Mubarak, do Egito, que vão rapidamente se transformando de governantes eternos em párias do planeta.
Se Mubarak for mesmo (ou qualquer outro dos líderes árabes, todos eles contestados nas ruas ou no silêncio dos cafés), a tradicional foto tipo "álbum de família" será comprometedora para a presidente, ainda mais no exato momento em que a política para direitos humanos do seu antecessor -e padrinho- é muito contestada (ver texto nesta página).
Não é à toa que Amr Moussa, secretário-geral da Liga Árabe, o conglomerado de todos esses países, disse outro dia à Folha que "as massas árabes estão frustradas e zangadas, em toda parte".
Se uma figura do establishment como Moussa faz tal admissão não no silêncio de um café mas para um jornalista, é porque nenhum dos líderes que eventualmente estarão em Lima escapa do anátema.
Por isso mesmo, o governo brasileiro acompanha com a maior atenção a evolução dos acontecimentos no mundo árabe.
O café da manhã do chanceler Antonio Patriota foi menos café e mais Egito, pois os assessores que o acompanhavam atualizavam-no a respeito.
O governo está tão atento que vai despachar para a região nos próximos dias o responsável por Oriente Médio (e África) no Itamaraty, Carlos Ceglia, que até por atavismo conhece a área. Seu pai foi embaixador na Tunísia e ele próprio já serviu nesse que foi o primeiro dominó do Magreb a cair.
Patriota, inevitavelmente, é cauteloso ao extremo ao falar da situação no mundo árabe. Mas, mesmo assim, afirma que o governo brasileiro percebe "a aspiração dos cidadãos por maior participação nos processos políticos".
Teme, no entanto, que essa aspiração, legítima, "desestabilize ainda mais uma região que já é conturbada".
Festeja, no entanto, o que parece até agora uma transição pacífica no Líbano, apesar de o novo primeiro-ministro, Nagib Mikati, ter sido indicado pelo Hizbollah (Partido de Deus), que o Ocidente considera terrorista.
De todo modo, a crise acabará por mudar o caráter da cúpula de Lima. Patriota define-a como "um exercício que contribui para estabelecer entre duas regiões do mundo em desenvolvimento uma agenda positiva, de cooperação".
Afirma até que é uma agenda "desdramatizada" e "sem demonização".
Pode até ser, mas quando observo que a presidente brasileira tende a ser colocada diante do dilema da foto, o chanceler prefere sair pela tangente:
"Você não vai abandonar seu sobrinho adolescente quando ele está passando por uma crise de crescimento", diz.
O problema é que os adolescentes estão na rua enfrentando poderosos que são mais obsoletos do que adolescentes. 

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