sábado, dezembro 11, 2010

RUTH DE AQUINO

O que quer dizer “sine qua non”?
REVISTA ÉPOCA
RUTH DE AQUINO
Época
RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br
Quando Lula usa e abusa da expressão “sine qua non”, ele pode estar certo de que a imensa maioria dos brasileiros não faz ideia do que isso significa. Nesses momentos, Lula fala, com orgulho, para a elite. Se é impossível para o brasileiro médio entender as sutilezas de um texto em português, o que dirá em latim? A presidente eleita Dilma Rousseff precisará redirecionar seus gastos se quiser tirar o povo da ignorância. Pode começar desistindo do Aerodilma.
Mesmo com um avanço no segundo mandato de Lula, não há como festejar o resultado brasileiro na última avaliação de estudantes de 15 anos em 65 países. São seis os níveis de conhecimento da pesquisa conhecida como Pisa, na sigla em inglês (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). Em matemática, 69,1% dos alunos brasileiros não passaram do nível 1, o pior de todos. Em leitura, quase metade (49,6%) dos brasileiros também ficou no nível 1. O estudo é feito a cada três anos e envolve países da OCDE (desenvolvidos) e convidados. O Brasil ficou em 53º lugar, atrás de Bulgária, Romênia, Tailândia, México, Chile, Uruguai e Turquia, entre outros. O melhor Estado brasileiro, o Distrito Federal, ainda ficou abaixo da média internacional.
Nosso pior Estado, Alagoas, só foi melhor que o lanterninha no Pisa, o Quirguistão, um país que quase ninguém no Brasil nem sequer sabe localizar no mapa. É inacreditável que, depois de oito anos de mandato de um presidente de esquerda, uma economia pujante como a brasileira ainda esteja na rabeira do mundo em educação. Quando um aluno do 3º ano do ensino médio, Evanildo da Silva Costa, com 18 anos, não sabe quanto é 8 dividido por 4, o país inteiro deve ficar constrangido.
Na média, a nota do Brasil em leitura melhorou entre 2000 e 2009. Mas as porcentagens escondem uma crueldade: na prática, segundo o relatório oficial, quem melhorou foram os alunos ricos, que já eram bem avaliados dez anos atrás. Os outros continuam com muita dificuldade para ler, entender, discernir.
Existe em nosso país uma inversão assustadora de valores. Quando o palhaço Tiririca recebeu a maior votação de um deputado federal, mesmo sem saber ler e escrever direito (ou talvez por causa disso), políticos demagogos se apressaram em apresentar projetos para permitir a candidatura de analfabetos no Brasil. Como se fosse preconceito impedir alguém que não sabe ler de ocupar uma cadeira no Congresso.
Lula adora a expressão. Seu governo devia ter investido mais para que o brasileiro médio pudesse entendê-la
É claro que cultura não rima necessariamente com honestidade, sabedoria e inteligência. Há os cultos que são ladrões e mal-educados. E os incultos que são honestos e educados. Mas o fato de um ex-torneiro mecânico ser o presidente mais popular da história do Brasil não pode tornar a falta de instrução uma qualidade. O escritor Marçal Aquino acha um erro que as escolas obriguem alunos a ler livros totalmente fora do contexto de sua vida – e a decorá-los: “O aluno acha a leitura um troço chato e passa a odiar o escritor”. Mais dramática é a situação de nossas escolas rurais, sem recursos. Professor de geografia dá aula de matemática. Aluno chega com fome e não consegue prestar atenção em nada. Isso é, para a oitava economia do mundo, uma humilhação.
Em novembro do ano passado, num congresso científico, Lula afirmou que “a educação é condição sine qua non para o crescimento”. E continuou, arrancando risos: “Eu tô falando sine qua non porque o Caetano Veloso vai ouvir que tô falando sine qua non, e vai dizer ‘porra, como o Lula tá culto’”. O presidente agora adotou de vez a expressão, que quer dizer “indispensável”.
Para Lula, hoje, “humilhação” é o avião presidencial precisar fazer escala em suas viagens internacionais. Deve ser constrangedor, não? Por isso, cinco anos depois de comprar um Airbus por US$ 57 milhões, o governo negocia a compra de outro Airbus por US$ 300 milhões. Nossos alunos de matemática podem tentar fazer uma conta simples: a diferença entre o Aerolula e o Aerodilma daria para construir quantas escolas e para alfabetizar quantos brasileiros em um ano?

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