quarta-feira, dezembro 15, 2010

MÍRIAM LEITÃO

Sinal de alerta 
Miriam Leitão 

O Globo - 15/12/2010

O crescimento da inadimplência será uma das complicações com as quais o Banco Central terá de lidar no ano que vem. Ao mesmo tempo em que terá que lutar para reduzir a inflação — que está se distanciando do centro da meta — o BC não poderá encarecer demais o crédito. Os juros em alta podem desatar uma onda de atrasos nos pagamentos. A inadimplência está subindo há sete meses.

O Brasil não está diante de uma crise de crédito, mas dado que outros países passaram recentemente por fortes colapsos da capacidade de pagamento, todo o cuidado é pouco. Até porque os juros aqui são os mais altos do mundo.

Especialistas ouvidos pela coluna concordam que já há sinais de perigo em alguns indicadores de crédito. A decisão tomada recentemente pelo BC de reduzir o dinheiro em circulação está encarecendo o crédito. Novas altas da Selic, como as esperadas para o ano que vem, tornarão o dinheiro ainda mais caro, com prazos menores.

Dados da Serasa Experian mostram que a inadimplência teve a maior alta para o mês de novembro dos últimos cinco anos.

O analista de instituições financeiras da Austin Rating Luis Miguel Santacreu explica que estamos entrando num momento oposto ao que foi visto nos últimos dois anos, com o crescimento expressivo do crédito mascarando problemas na inadimplência. É um efeito basicamente estatístico: se há mais crédito circulando, proporcionalmente a inadimplência cai.

— Se há um aumento na carteira de crédito dos bancos, a inadimplência diminui percentualmente, porque há uma diluição. Mas agora o crédito vai crescer menos e o efeito estatístico não vai ajudar — explicou.

A Serasa Experian divulgou na segunda-feira que a inadimplência dos consumidores cresceu 3,5% em novembro, na comparação com outubro, e 23,2% em relação ao mesmo mês de 2009. Como este ano o país está crescendo, a renda aumentando, e o mercado de trabalho num bom momento, o normal seria a queda e não a elevação dos atrasos no pagamento. O aumento maior foi no crédito concedido por financeiras, empresas de cartão de crédito e empresas não financeiras, como lojas de varejo de eletroeletrônicos e empresas de telefonia. O assessor econômico da Serasa, Carlos Henrique de Almeida, diz que a tendência é de aumento na inadimplência no início do ano, período em que normalmente crescem as despesas das famílias com educação, impostos e seguros.

— Não temos sinais de q u e a s f a m í l i a s e s t ã o usando o 13º salário para o pagamento de dívidas — explicou.

A Serasa mede o volume de atrasos de pagamentos total, inclusive em financeiras e empresas de varejo. O BC registra o que acontece somente no sistema bancário, e em relação ao crédito total da economia.

O gerente de indicadores da Serasa, Luiz Rabi, explica um fato tranquilizador:

— Medimos todos os atrasos que entram no sistema. Então se há mais crédito concedido, haverá também maior inadimplência em comparação com períodos anteriores. Em 12 meses, a inadimplência está na faixa de 5%, bem abaixo do crescimento real do crédito, de 15%. Então não há sinais de bolhas, por enquanto.

Em 2011, o crescimento do PIB será menor, os juros devem subir, e o ritmo do aumento do crédito será menor. A conjuntura ficará um pouco mais difícil.

— Há muito emprego de prestação de serviços, autônomos, áreas que sentem mais rapidamente qualquer desaceleração da economia — disse Luis Miguel.

O economista José Alfredo Lamy, da Cenário Investimentos, acha que tudo depende da situação internacional. Uma piora na Europa, desaceleração na China, ou até mesmo uma melhora rápida nos Estados Unidos, que leve a aumento de juros, podem ter efeito sobre nossa taxa de crescimento ou sobre o fluxo de capitais para o Brasil.

— Nesse cenário, o crédito mundial ficará mais escasso e caro para os próprios bancos. Isso quer dizer que eles vão depender mais do retorno dos empréstimos já concedidos — afirmou.

Enfim, um país que vive uma rápida expansão do crédito tem que se proteger dos riscos. A economia mundial acaba de nos ensinar que com o endividamento das famílias não se brinca.

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