Um liberal conservador
José Roberto de Toledo
O Estado de S.Paulo 06/12/10
O brasileiro é conservador ou liberal? Parâmetros importados dos EUA servem de régua para medir o comportamento do povo de Pindorama? Não há resposta unânime. Nesse caso, consulte-se a maioria. Com a palavra, ou melhor, com os números, o Ibope.
O brasileiro, todo candidato sabe, é contra a legalização do aborto. E, quando o debate sobre o assunto esquenta, o que uns chamariam de conservadorismo aumenta. A eleição presidencial fez crescer o autointitulado grupo pró-vida. Em março deste ano, antes de virar tema de campanha, havia 15% de eleitores pró-legalização e 13% sobre o muro. Em outubro, após a polêmica eleitoral, a maioria antiaborto subira para 78%.
Lição para o postulante a cargos públicos: se você tem opiniões diferentes da maioria ou um esqueleto no armário, cuidado ao mexer no vespeiro, ou vai acabar ferroado.
Os nativos daqui não são emulações dos conservadores de lá. Cresceu em 2010 o grupo de brasileiros contrários à pena de morte. Em outubro, chegou a 55%, ante 46% em março. Aqui, o discurso em favor da vida tem alcance mais amplo do que nos EUA. Moral católica?
Viva sim, mas sem incomodar os outros. Praticamente 2 em cada 3 brasileiros são favoráveis à redução da maioridade penal: 63% defendem cadeia para adolescentes infratores. Maioria equivalente à que quer prisão perpétua para quem comete crimes hediondos.
Numa sociedade violenta e crianças recrutadas pelo narcotráfico, pode-se chamar de conservadora a maioria cujo discurso endossa a punição severa e desde mais cedo? Ou essas não são bandeiras de fato, mas válvulas de uma revolta difusa contra a impunidade?
Fosse ponto de honra, políticos que defendem tais ideias já teriam conseguido capitalizar essa maioria para aprovar leis draconianas. No Brasil, qualquer juiz sabe, políticos e penas duras raramente aparecem na mesma sentença.
Após décadas de inflação fora de controle e concentração da renda, o conservadorismo do brasileiro é fundamentalmente econômico. Não, o brasileiro não é monetarista. Ele só não gosta de mudar políticas que vê como vencedoras.
Em outubro, antes da eleição, o Ibope pesquisou se os eleitores preferiam alguém que mudasse as coisas ou mantivesse o status quo. Só 9% disseram "que mudasse totalmente". Uma maioria ampla se dividiu entre "continuidade total" (32%) e "poucas mudanças e continuidade para muita coisa" (31%).
O raciocínio "não mexa em time que está ganhando" do eleitor ganhou corpo na campanha. Porque 57% temiam que o presidente eleito desencaminhasse o País. Votaram no menor risco. Conservadorismo econômico, ou o quê?
Ao avalizar a política econômica, o eleitor faz exatamente isso. Não é cheque em branco. Não vale para qualquer tema ou iniciativa governamental.
Um exemplo: símbolo do liberalismo de costumes, a união entre pessoas do mesmo sexo é vista com contrariedade pela maioria (54%). Em outubro, só 25% dos brasileiros se declaravam a favor - menos do que os 30% de março. Outros 20% não sabem de que lado ficar.
Como todo direito de minoria, quem defendê-lo desagradará a parte de seus eleitores. Mas não é por isso que o governante deve esquecer no que acredita. Líder é quem vai à frente, escolhe um caminho e tenta convencer outros a segui-lo. O político brasileiro prefere ficar na retaguarda, olhando para que lado a opinião pública se mexe, para ir atrás dela. É a vanguarda do conservadorismo.
O problema dessa atitude "Maria vai com as outras" é que dificilmente produz inovação. As pessoas tendem a gostar do que elas conhecem. Mudança, só quando a água bate no nariz, e olhe lá.
Se Fernando Henrique fizesse um plebiscito para decidir se o Brasil deveria adotar um negócio chamado URV que depois viraria o real, provavelmente ainda estaríamos usando cruzeiros.
Se Lula, logo ao tomar posse, submetesse ao eleitorado a ideia de dar uma mesada a todos os pobres, provavelmente os beneficiários do Bolsa-Família ainda estariam passando fome. Ambos arriscaram, inovaram e se deram bem. Fora isso, é o partido liberal-conservador.
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