segunda-feira, outubro 04, 2010

RUY CASTRO

O grosso e o fino
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 04/10/10

RIO DE JANEIRO - Fred Flintstone, criação da dupla William Hanna e Joseph Barbera nos quadrinhos e nos desenhos animados, acaba de fazer 50 anos. Todo mundo conhece. A graça dessa saga é que ela se passa na pré-história, mas eles já têm os nossos confortos do século 20: automóvel, televisão, geladeira, telefone, cinema, elevador, batedeira de bolo etc. A diferença é que é tudo movido a lenha.
Antes dele, outro herói das cavernas era Brucutu, criado em 1932 por V. T. Hamlin e também até hoje na praça. Graças à máquina do tempo do Professor Papanatas, Brucutu tem livre trânsito de antes a depois de Cristo e vice-versa, e já fez de tudo, desde imprimir um jornal na Idade da Pedra até chegar de dinossauro para embarcar num foguete. Em Brucutu, impera a alta tecnologia; em Flintstone, a baixa.
O Brasil poderia ser cenário dessas duas sagas simultaneamente. Aqui, o avanço e a modernidade convivem tão bem com o atraso que poucos se dão conta da esquizofrenia que isso envolve. Por exemplo: tem o sistema de votação e apuração de votos mais confiável do mundo -para eleger certos políticos em que ninguém, em sã consciência, confiaria o cachorro para passear na rua. E há uma evidente contradição em entrar naquela cabine do século 21 e fazer surgir na tela o nome e a imagem do Tiririca, não? (Não que ele seja o pior.)
O país tem recursos inimagináveis em energia e ferramentas de última geração para explorá-los. Mas os ministérios a que tais riquezas se subordinam, de alta especialidade, são entregues a políticos profissionais de quem se duvida que saibam extrair uma raiz quadrada. Nossas favelas têm computadores, TVs de plasma, gatonet e microondas, mas não têm esgoto -os apartamentos de luxo da Barra da Tijuca também não. E por aí vai.
É Flintstone e Brucutu no mesmo quadrinho, o grosso e o fino no mesmo Brasil profundo.

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