Em 2014, o Brasil tem de vencer
ROBERTO MUYLAERT
FOLHA DE SÃO PAULO - 22/08/10
Andei a calcular quantos serão os sobreviventes da Copa do Mundo de 1950, assim como eu, considerando que havia 200 mil pessoas no Maracanã, no 16 de julho.
Mesmo sem metodologia, calculei o número de torcedores ainda vivos, esperando ser corrigido por algum leitor: se a média de idade no estádio fosse de 35 anos, com um terço abaixo de 20 anos, passados 60 anos, os 35 anos viraram 95. Os que tinham 20, agora têm 80 anos.
Desses, dois terços devem ter morrido, portanto, o número de sobreviventes é de 1/3 x 1/3, o que resulta em 1/9 de 200 mil, ou 22 mil pessoas, número suficiente para formar a "Associação dos Sobreviventes da Copa de 50".
A CBF poderia fazer um convite para uma foto desses traumatizados, no estádio do Maracanã. Se 10% comparecerem, serão cerca de 2.000 pessoas, a quem a CBF poderia fornecer entradas para 2014 como reparação, como acontece com os perseguidos pelo regime militar.
Desde já, afirmo que não aceitaria o convite. Após a Copa de 50, fui com meu pai para a Suíça, em 1954, onde assisti ao Brasil de novo derrotado, com "complexo de vira-lata". Foi quando fiz a promessa, cumprida, de nunca mais comparecer a uma Copa do Mundo.
Escrevi dois livros, para exorcizar os fantasmas: "Barbosa", a história do amaldiçoado goleiro de 1950, e "A Copa que Ninguém Viu", com Armando Nogueira e Jô Soares, que também estavam no estádio de Berna quando fomos eliminados pela Hungria.
Mais magoado do que eu, só o jornalista João Luiz Albuquerque, que declarou, anos atrás: "Se houver outra Copa do Mundo no Brasil, e a final for de novo no Maracanã, com Brasil 2 x Uruguai 1, nem assim minha frustração da Copa perdida em 1950 irá se aplacar".
A derrota foi presenciada por 10% da população do Rio, espectadores únicos, quando não havia televisão: "a maior tragédia nacional", conforme Nelson Rodrigues.
A má notícia é que alguns dos ingredientes de 1950 começam a surgir muito próximos daqueles que nos levaram à derrota: a política substituindo a razão na escolha dos estádios, número excessivo de sedes, estádios enormes em cidades sem possibilidade de utilização futura e orçamentos indefinidos.
A implicância com o Morumbi, pelo fato de haver incompatibilidade entre o cartola do São Paulo e o cartola maior. A ideia enrustida de fazer a abertura e o encerramento no Maracanã, quando não houver mais condições para outra escolha.
Os atrasos sem sentido na tomada de decisões e início das obras, quando fomos escolhidos para sede há dois anos.
A coincidência de que 2014 é ano de eleições, assim como foi 1950. Se daquela vez a concentração dos jogadores foi invadida por candidatos a cargos eletivos, na próxima, a pressão política será exercida por meios mais abrangentes, de igual efeito demolidor na cabeça dos atletas, que mais uma vez terão a inibidora obrigação de vencer, em nome da pátria.
Ricardo Teixeira, presidente da CBF, não ligou muito para a derrota na África do Sul. Mas já declarou que "no Brasil, temos de vencer".
Começamos bem.
ROBERTO MUYLAERT, jornalista, é editor, escritor e presidente da Aner (Associação Nacional dos Editores de Revistas). Foi presidente da TV Cultura de São Paulo (1986 a 1995) e ministro-chefe da Secretaria da Comunicação Social (1995, governo Fernando Henrique).
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