O voto e o tabu
ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SÃO PAULO - 15/07/10
BRASÍLIA - Oficialmente, não há melhor oportunidade para discutir temas de interesse público do que em anos eleitorais. Na prática, porém, é exatamente quando os candidatos fogem feito diabo da cruz de questões espinhosas como o aborto, tratadas como tabus.
Por mais que José Serra e Dilma Rousseff sejam favoráveis à descriminalização, ao contrário da evangélica Marina Silva, eles não admitem, pois o que vale não é o avanço do debate, mas o pragmatismo e o voto. Não querem se indispor com o forte eleitorado conservador da sociedade, muito menos com setores religiosos que têm cada vez mais poder financeiro, midiático e sobre os votos dos seus rebanhos.
Não se trata, porém, de uma questão religiosa nem moral, mas da realidade: ninguém pode ser a favor do aborto, mas milhões de brasileiras recorrem a ele porque não têm outro jeito. E devem ser assistidas, até porque as que podem podem, as que não podem correm o risco de morrer.
O levantamento do Incor mostrando que a curetagem pós-aborto é a cirurgia mais realizada pelo SUS reforça o debate. Foram 3,1 milhões entre 1995 e 2007, não necessariamente após um aborto provocado, mas pode-se apostar que, na maioria das vezes, sim.
Fala Ana Costa, sanitarista, doutora em ciências da saúde e autora do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher: "A clandestinidade atinge a ambas, pobres e ricas, mas o risco de adoecer ou morrer fica na conta das pobres. E são milhares que passam por essa situação, caracterizando mesmo um problema para a saúde pública. Por isso a necessidade de legalizar para garantir o direito de as mulheres sobreviverem ao aborto, adotado como uma solução terminal para uma gravidez indesejada".
O aborto é uma questão pública, o SUS é um serviço público, Serra e Dilma disputam o principal cargo público do país. Têm o dever de assumir uma posição clara e firme.
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