quarta-feira, junho 09, 2010

MÍRIAM LEITÃO

Visão da Fazenda 
Miriam Leitão 

O Globo - 09/06/2010

Os fatores que vão levar a economia brasileira a crescer num ritmo menor nos próximos meses já estão aí, na opinião do ministro Guido Mantega. “Na minha opinião, o Brasil não crescerá além das suas possibilidades.” Ele diz que o governo está cortando gastos, que o Banco Central elevou compulsórios tirando R$ 100 bilhões da economia e que a crise europeia reduz a demanda no Brasil.

— A Europa é um quarto da demanda por produtos brasileiros no exterior e o continente deve crescer menos do que o 1% projetado pelo FMI — me disse Mantega no caminho de volta para o Brasil. Ele estava ontem em Frankfurt.

Segundo ele, parte do crescimento que foi anunciado agora no primeiro trimestre foi capturado do segundo trimestre porque muito consumidor antecipou decisão de compra já sabendo que os estímulos iriam acabar: — Por isso, a venda de carros caiu em abril e maio.

Acabaram os estímulos fiscais; as pessoas aproveitaram a queda do tributo.

Mantega está convencido de que o crescimento não está exagerado, que o número divulgado ontem mostrou apenas a força e a capacidade de recuperação da economia brasileira após um ano ruim.

Que vários fatores já estão agindo para desacelerar este ritmo. A crise da Europa, por exemplo, nos afeta de várias maneiras. Uma delas tornando o mercado de capitais menos favorável às empresas: — A Europa joga um importante papel desacelerador.

Ela diminui por exemplo os IPOs (lançamento de ações), tem dinheiro saindo da bolsa, isso reduz o crédito disponível para as empresas.

Além disso, ele arrola todos os outros fatores que tornarão o crescimento nos próximos trimestres menor do que neste primeiro: — Já há uma queda de alguns indicadores no segundo trimestre, os tributos, que haviam sido suspensos, voltaram, voltou o recolhimento compulsório ao Banco Central, e assim foram tirados R$ 100 bilhões da economia, e o BC subiu a taxa de juros.

Ele não fala que isso é recado para o BC, mas é impossível abstrair que hoje o Copom vai elevar os juros de novo, talvez em 0,75 p.p.. Perguntei se a conclusão do raciocínio dele é que não é necessário subir juros. Ele brincou: — Quem gosta de juros é o Banco Central. Pronto, você já tem a sua frase. Eu não falo de juros antes da reunião do Copom.

O ministro estava menos interessado em criticar o Banco Central do que em criticar o novo corte de gastos da Alemanha: — Houve divergência no G20 sobre o ajuste fiscal, se deve haver mais ênfase no ajuste ou na recuperação. Isso nos afeta de alguma forma por causa das exportações para a Europa. Os EUA e os BRICs acham que é preciso ir devagar com o corte de gastos para não impedir a recuperação, mas a Alemanha, que é o carro-chefe da Europa, está anunciando um corte de gastos de C 80 bilhões que é exagerado a meu ver. A Alemanha tem um viés conservador.

Viés conservador por um bom motivo, lembrei. O país pagou caro no começo do século passado pelo erro de gastar além da conta: — É, eles têm trauma histórico, mas têm a responsabilidade de ir além da economia alemã. O que fizerem vai se refletir na Europa. No fim dos anos 80, países que fizeram ajuste fiscal grande demais saíram com uma dívida maior do que a inicial.

Perguntei a Mantega se na reunião do G-20 falava-se em colapso do euro: — Não tem risco de colapso.

O Banco Central Europeu está funcionando bem.

Tive uma conversa com Jean Claude Trichet, e ele disse que deu liquidez ao mercado.

Aquele pacote de C 750 bilhões demora um pouco a sair, mas o banco deu liquidez e garantias à dívida soberana.

Isso foi bom. No começo, a demanda por títulos do BCE era maior e nas semanas seguintes começou a diminuir, mostrando a volta da confiança, e a Grécia já está recebendo os recursos necessários para honrar a dívida.

Mantega disse que ninguém vai escapar de ter que fazer o controle das contas públicas, mas o debate é sobre qual é o ajuste necessário, como fazer e em quanto tempo concluir o esforço.

— Diante do tamanho da encrenca, é melhor fazer um ajuste mais gradual. A Alemanha está pondo na Constituição o compromisso de acabar com o déficit em 2013, se não me engano. Isso é claramente um exagero.

A Alemanha está com um déficit público de 5% do PIB. Perguntei sobre a Índia, que está com déficit enorme e nada de fazer ajuste e tem inflação muito alta. Já que é nossa companheira na tese de reduzir o ritmo do ajuste dos europeus: — A Índia sempre teve inflação alta, déficit fiscal, déficit comercial e em transações correntes, e continua assim.

A China também está com uma inflação mais alta do que o normal e estão com uma expansão forte, mas eles têm juros negativos e tem “argumentos” e “mecanismos” diferentes.

Diferentes de fato, e nada recomendáveis.

Mantega acha que o Brasil não está vivendo uma bolha imobiliária, que os preços dos imóveis estão subindo, mas porque ficaram quatro anos deprimidos. Sobre o risco inflacionário, ele disse que o país teve no começo do ano um choque de preços na área agrícola, mas que agora os efeitos estão dissipando.

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