REVISTA VEJA
Roberto Pompeu de Toledo
O pai do Neymar
"Neymar, o velho, é uma esperança contra a ansiedade
que surge tão logo desponta um talento, mesmo quando
bem inferior ao de Neymar, o moço: até quando o teremos
no Brasil?"
Pode-se imaginar os sentimentos de que um pai brasileiro é tomado quando pela primeira vez se dá conta de que, com a bola nos pés, seu rebento é um prodígio. A palavra "prodígio", tal qual "profético" e "presságio", indica uma conexão com o divino. Revelar-se um prodígio nos campos de futebol significa que um sopro dos deuses moldou aqueles pés. Para o pai, dar-se conta de que tem um filho desses é como se um anjo lhe baixasse na humilde morada e anunciasse que seu menino, entre todos os outros, é o escolhido do céu. Na conexão direta com a terra, quando o pai vai dormir, naquele dia, repassa as promessas com que lhe acenam os próximos anos. Misturam-se todas, das mais modestas às mais gloriosas – comida garantida, bons médicos, mudança para um bairro decente, adeus aos malditos ônibus, e logo empregados, mansões, piscinas, viagens, férias, Real Madrid, euros.
A esta altura, não há mais dúvida de que o menino Neymar, do Santos, é um prodígio. Não é que, com 18 anos recém-completados, sua vida esteja a ponto de mudar. Já mudou. O pai, que também foi jogador de futebol, chegou ao fim de uma carreira que o empurrou de time pequeno para time pequeno com um patrimônio que se resumia a um terreno, segundo reportagem da jornalista Débora Bergamasco publicada na semana passada no jornal O Estado de S. Paulo. O filho já acumulou dinheiro suficiente para acomodar a família num apartamento tríplex com piscina e sauna e manter um carro Volvo XC-60 na garagem.
O pai de Neymar também se chama Neymar. Tem 45 anos, cursa faculdade de educação física e administra a vida do filho, do dinheiro e dos contratos à hora em que deve voltar para casa. Neymar, o filho, tem família estruturada, com pai, mãe e irmã sob o mesmo teto. Nisso se diferencia de tantos de seus companheiros de bola. Claro que o pai não terá outra coisa a fazer na vida, nos próximos anos, senão cuidar dos interesses do filho, que são também seus interesses. E claro que, quando não tiver nem mesmo de cuidar dos interesses do filho, não terá outra coisa a fazer senão gozar as delícias de ter sido premiado com a visita do anjo. Mas engana-se quem pensa em Neymar, o velho, como um desfrutador do baú do filho. Suas entrevistas à imprensa revelam uma pessoa com a cobiça sob controle, e cuidados que vão além da vil matéria.
Neymar, o velho, é uma esperança contra uma ansiedade que toma conta de quem gosta de futebol tão logo desponta um talento, mesmo quando bem inferior ao de Neymar, o moço: até quando o teremos nos gramados brasileiros? Sabe-se que é por pouco tempo. O Brasil entregou-se gostosamente à condição de exportador de matéria-prima. A volúpia da volta ao passado colonial impôs-se com sobras à potência incrustada na mente do atual primeiro mandatário da nação. Neymar, o pai, não nega que o filho vai acabar num grande clube europeu. Mas diz que há etapas a cumprir, e que não tem pressa. Quer ver o filho amadurecer e conquistar títulos no Brasil.
Quando Neymar Jr. tinha 13 anos, o pai aceitou um convite do Real Madrid para ir à Espanha. Pensava que era só para conhecer o clube. Lá puseram o filho para treinar e lhe ofereceram um contrato. O menino, depois de três semanas, declarou-se farto e quis voltar. O pai deu-lhe razão. Numa entrevista à TV ESPN, no ano passado, ao relembrar o episódio, Neymar pai disse que, seja onde for, quer o filho jogando futebol com alegria, e não de forma "mecânica" (a palavra é dele).
Eis uma declaração que, além de enaltecê-lo como pai, enche de esperança os admiradores do futebol. Praticá-lo com alegria, como Pelé e Garrincha, é a condição primeira para alçá-lo à condição daquele esplêndido espetáculo que se convencionou chamar de futebol-arte. É futebol-arte, tangido pela necessária alegria, como não se via pelo menos desde Robinho, o que Neymar tem apresentado. Ele é o condutor de uma volta à inocência perdida que contaminou o time do Santos e até, para quem reparar bem, transbordou para alguns adversários. Para que não seja por pouco tempo, só confiando no paizão.
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E os estudos? Neymar parou cedo, e nesse ponto não há notícia de empenho do pai em sentido contrário. O jogador Henry, da seleção francesa, disse uma vez que a grande vantagem dos jogadores brasileiros é que desde meninos eles não têm outra coisa a fazer senão jogar bola, na rua, nas praias ou nos campos, enquanto os europeus passam o dia na escola. O argumento leva à conclusão de que o sucesso do futebol brasileiro se deve ao fracasso do sistema escolar do país.
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