quarta-feira, março 10, 2010

RUY CASTRO

Pelo cano


FOLHA DE SÃO PAULO - 10/03/10RIO DE JANEIRO - Outro dia, fui repreendido domesticamente por jogar fio dental no vaso e dar a descarga. A repreensão foi suave, mas firme: um palmo de fio dental pode parecer inofensivo, mas despejá-lo ali é uma das piores agressões ao meio ambiente. "Leva 500 anos para ser absorvido!", disseram.
Só então caí em mim. Um palmo costuma ter 25 cm. Quatro palmos de fio dental por dia, equivalentes a quatro aplicações regulamentares, significam 1 metro de fio dental descendo diariamente pela privada.
Donde, em menos de três anos, despejei 1 km de fio dental de forma imprudente. Fiz um rápido exercício aritmético sobre os anos em que venho cometendo esse deslize e me dei conta de que já fui responsável por quase 20 km de encanamentos, tubulações, esgotos, estações de tratamento, elevatórias e emissários entupidos pelo fio.
Desde então tenho me esmerado em soltar o fio dental no lixinho, para aplausos da galera. Mas será que um dia conseguirei redimir-me pelas espécies que ajudei a asfixiar, obstruir, intoxicar, intumescer ou envenenar com minha insensibilidade ecológica? E de que adiantará tornar-me ambientalmente correto se meus semelhantes ou, digamos, os vizinhos não fizerem o mesmo?
Aliás, que vexame. Li no jornal que os campeões de entupimento de esgotos são absorventes, algodões, camisinhas, cotonetes, cuecas, fraldas, o dito fio dental, plásticos e até comestíveis, como pizzas aos quatro queijos, bruschettas e mortadelas. Tudo pelo cano. E ouvi dizer que se achou uma boneca inflável com pouco uso numa galeria pluvial em Copacabana.
Claro, as autoridades têm de cumprir a sua parte. Mas também quero contribuir: se um dia eu tiver celular e ele me provocar um acesso de fúria, prometo não me vingar dele varejando-o no vaso e dando a descarga, como já fizeram.

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