O G-2 busca o equilíbrio
O GLOBO- 03/02/10
A tese de que o mundo pós-crise seria multipolar, com diversos centros de poder, vai se confirmando com os países emergentes, entre eles o Brasil, mas especialmente na Ásia, revelando uma resiliência na performance de suas economias de que as chamadas economias maduras, como a dos Estados Unidos e a das nações da Europa, não são capazes.
Mas, mesmo que o G-20, grupo das maiores economias do mundo, inclusive as emergentes, se tenha mostrado mais apto a refletir o momento atual do mundo do que o G-8, é na relação bilateral de Estados Unidos e China — o G-2 — que o novo mundo está realmente representado.
Para Yan Xuetong, diretor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade Tsinghua, na China, o mais importante para um bom relacionamento entre Estados Unidos e China é “confiança mútua”. Não importando que pergunta lhe era feita no debate em que ele e outros estudiosos e políticos discutiam o relacionamento do G-2 no Fórum de Davos, o professor repetia o mesmo conselho: “confiança mútua”.
E acrescentava: a estabilidade do relacionamento deve obedecer à política dos quatro “C”, em inglês: entendimento amplo de questões (comprehensive), sinceridade (candid), cooperação (cooperative) e construtivo (constructive).
É exatamente na falta de “confiança mútua” que está rastreada a presente crise entre as duas potências mundiais, uma os Estados Unidos, que permanece como a maior economia do mundo e a maior força militar, e outra, a China, em progresso para se tornar a maior economia da Ásia, assumindo o segundo lugar em termos mundiais, que é ocupado pelo Japão.
E passando, desde o final do ano passado, a ser o maior comprador de títulos do Tesouro americano, sendo credor de um total próximo a U$ 1 trilhão.
Assim como fica claro, cada vez mais, que o mundo multipolar que se redesenha, especialmente depois da crise financeira internacional, terá nesses dois países os líderes incontestes, está claro também que tanto Estados Unidos quanto China movem seus dados no tabuleiro geopolítico com mais audácia, na tentativa de testar os limites do outro.
O anúncio da venda de armamentos para Taiwan no valor de U$ 6 bilhões, e a insinuação de que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pode se encontrar com o Dalai Lama nos próximos meses, foram estocadas diretas no que a China mais preza, a soberania de seu Estado.
E foi para quebrar um pouco a arrogância com que a China vinha tratando os Estados Unidos que a administração Obama entrou nesse caminho de confrontação política.
O objetivo inicial seria enviar uma mensagem a Pequim, que teria dado sinais nos últimos tempos de desdenhar o novo governo americano, sem entender a mudança de política externa, mais baseada no diálogo do que na exibição de força, mesmo que retórica.
O primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, enviou por duas vezes um substituto para encontros oficiais com Obama. Na reunião de Copenhague sobre o clima, preferiu se reunir com os representantes do grupo Basic (Brasil, África do Sul e Índia), deixando os Estados Unidos de fora.
Obama teve que ir, sem ser convidado, até a sala onde acontecia a reunião e forçar sua participação no encontro.
O papel da China na cúpula do clima em Copenhague, aliás, foi muito criticado, e não apenas pelos americanos.
Mas os chineses não aceitam a acusação de que obstruíram um acordo global, e consideram que fizeram avanços ao assumir o compromisso unilateral de cortar as emissões de CO2 em até 55% até 2025.
Interessa também aos Estados Unidos forçar uma posição mais ativa da China com relação ao programa nuclear do Irã.
No Fórum de Davos, foi possível constatar como a percepção do público — mesmo uma plateia qualificada como a que acompanhou os painéis — é diferente da dos especialistas.
No painel em que se debatia a nova agenda dos dois países, foi colocado em votação qual seria o principal tema.
A política monetária veio em primeiro lugar, com 38,3% dos votos, e o comércio em segundo, com 34,6%.
Os dois assuntos estão interligados, já que uma mudança na política monetária da China, encerrando a fase de controle artificial da moeda para torná-la menos valorizada, fará também com que se altere a balança comercial chinesa com os diferentes países.
Com relação à política monetária, houve um consenso entre os debatedores em Davos de que, embora não haja sinal de curto prazo de que a China vá valorizar sua moeda, a médio e longo prazo não haveria alternativa, pois manter a moeda controlada prejudica a economia da maioria dos países, não se tratando de uma política meramente bilateral entre Estados Unidos e China.
Mas o interesse dos Estados Unidos é um grande fator para pressionar o governo chinês no sentido de valorizar o Yuan.
A meta de dobrar as exportações nos próximos cinco anos, anunciada pelo presidente Barack Obama em seu discurso de abertura de ano no Congresso, é considerada pelos especialistas como de difícil execução caso a moeda chinesa não seja valorizada.
Mas, ao contrário do público, a maioria dos participantes de painéis em Davos considerou que a segurança é o maior desafio entre os dois países.
A posição da China é importante para os Estados Unidos não apenas em relação ao programa nuclear do Irã, mas também sua capacidade de interceder junto à Coreia do Norte.
A questão do terrorismo internacional é outro ponto também importante para os Estados Unidos.
E é exatamente em questões ligadas à segurança que estão os maiores pontos de atrito atualmente entre os dois países.
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