sábado, dezembro 19, 2009

MÍRIAM LEITÃO

O DIA FINAL

O GLOBO - 19/12/09


É fracasso ou não? A pergunta mais repetida no Bella Center. E ela tem duas respostas. A negativa: o mundo veio para Copenhague querendo um novo acordo do clima ambicioso e com força de lei. Isso não ocorreu. A positiva: os maiores emergentes e os Estados Unidos terão que reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. Mas o clima final da COP15 foi desolador.

O texto final tem indefinições e retrocessos. Foi uma reunião confusa, tensa, cheia de improvisos e que foi sendo abandonada pelos chefes de Estado antes do fim. Ontem, ainda se negociava no Bella Center, e o presidente Lula já estava voando para o Brasil com a, oficialmente, chefe da delegação Dilma Rousseff, e o negociador-chefe, embaixador Luiz Alberto Figueiredo, deixou em seguida o local da conferência.

O desencontro de informações era tal que a informação dada como certa por todos os entrevistados é que o presidente Barack Obama não podia aceitar o acordo com força de lei, o legally binding, por não ter tido esse mandato do Congresso.

No final do dia, quando saiu do Bella Center, e deu uma entrevista só para a imprensa americana, Obama disse que queria um acordo com força de lei, mas que isso terá que ficar para mais adiante, após um trabalho de “construção de confiança” entre os países.

O Palácio do Eliseu, em seu twitter, informou que tanto Nicolas Sarkozy quanto Obama pediram um acordo com força de lei.

Um dos momentos importantes das reuniões paralelas, que aconteceram em ritmo frenético ontem, foi aquele em que o presidente Obama entrou na sala onde estavam Brasil, África do Sul, Índia e China.

Esse grupo se consolidou nesta reunião. Tem agora nome próprio, que vem das iniciais: é o BASIC.

Obama entrou, pediu para se sentar ao lado do presidente Lula e ali tratou da diferença com a China, que paralisava uma parte da negociação: o monitoramento externo das medidas contra o aquecimento global. A insistência americana é que todas as ações sejam monitoradas externamente. A China se sente invadida e diz que nas ações que ela financiar com capital próprio não quer intromissão.

O primeiro-ministro indiano foi ministro das finanças e tem experiências de negociações comerciais. Propôs uma fórmula semelhante aos monitoramentos e prestação de contas que os países-membros fazem à Organização Mundial de Comércio (OMC).

A fórmula foi aceita e começou a se construir o acordo sobre esse ponto.

Esse ponto era assim tão importante? Não. Mas a história dos impasses em negociações internacionais está cheia desses falsos conflitos. Os Estados Unidos têm razão em querer o funcionamento do princípio do MRV, de que as metas de redução sejam, como diz o jargão, mensuráveis, reportáveis e verificáveis. O MRV foi uma decisão da COP-13.

A China, explica um diplomata brasileiro, tem um histórico de acordos internacionais desastrosos e de intervenções estrangeiras. O Brasil apoiou inicialmente a China, apesar de este não ser um problema para o país. Mesmo assim, ficou do lado da China. É a solidariedade dos BASIC.

Quando Obama telefonou para Lula, ele disse que o sistema de monitoramento seria como o do FMI ou da OMC. Ao falar em FMI, bateu num trauma brasileiro. Já o controle da OMC é rotina.

Nesta linha trabalhou o primeiroministro indiano, Manmohan Singh, para remover esse obstáculo.

O que era realmente importante era estabelecer uma meta de redução dos gases de efeito estufa realmente ambiciosa. O IPCC diz que é preciso reduzir de 25% a 40% em relação a 1990, até 2020. Esse é o coração do sonho que trouxe o mundo a Copenhague.

A Europa já tinha meta de 20%, mas podia chegar a 30%. Imaginou-se que ela puxaria os Estados Unidos.

Na verdade, foi puxada para continuar no piso de 20%.

Os EUA ficaram em sua meta que está no Congresso e que dá alguma coisa como 4% em relação a 1990.

A vitória inegável foi conseguida no caminho de Copenhague e não exatamente em Copenhague: pela primeira vez, Estados Unidos e os maiores emergentes terão que reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

— Alguns países em desenvolvimento, desde 92 cresceram muito, como China, Índia e Brasil. E terão responsabilidades, não da mesma forma, não no mesmo ritmo, mas pela primeira vez terão metas — disse o presidente Barack Obama.

O protocolo de Kioto ficou injusto por não ter sido ratificado pelos Estados Unidos e foi ficando mais desequilibrado, quanto mais emitiam os grandes países emergentes. Agora todos terão metas, mas isso foi sendo construído em cada país na negociação para chegar a Copenhague. Por isso, a expectativa é que aqui fosse dado um salto. E em metas, houve retumbante retrocesso.

Houve dias da negociação em que os textos preliminares eram quase bons. Traziam o intervalo de 25% a 30% como metas de 2020 para os países desenvolvidos, e incluía no texto as metas dos países emergentes em relação ao crescimento previsto nas emissões. O texto final sonega ao mundo essas duas armas com as quais lutar contra o assustador fenômeno que nos ameaça.

Acordo, acordo houve.

Mas fraco, insuficiente e que deixa uma inegável sensação de fracasso. Para responder à primeira pergunta desta coluna era preciso ver a entrevista do representante do Grupo dos 77: ele subiu numa escada no meio da sala de imprensa, os jornalistas o cercaram, alguns subiram em mesas e cadeiras, e nesta desordem ele condenou tudo o que aconteceu aqui. A cena era o do comunicado final de um fracasso.

Nada combinava com a versão da Casa Branca de que Obama construiu um acordo em Copenhague.

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