Em busca de clareza
O GLOBO - 22/12/09
A elaboração das ementas das decisões do Supremo Tribunal Federal — que são o anúncio oficial da Corte sobre o resultado final de um julgamento — está em discussão interna e pode vir a ser disciplinada para que não persistam dúvidas quanto ao que foi decidido. Foi o que me disse o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, a respeito da coluna de domingo, onde eu analisava as polêmicas cercando decisões recentes do Tribunal a respeito da censura judicial ao “Estadão” e à extradição do terrorista italiano Cesare Battisti.
O caso da extradição de Battisti, decidida pelo Supremo, ficou esclarecido com a explicação do ministro Eros Grau de que votara no sentido de que a decisão final seria do presidente da República, de acordo com os termos do tratado assinado com a Itália. A frase do presidente Lula, de que “a decisão é minha”, não importando o que o Supremo disse, não provocou preocupações no ministro Gilmar Mendes, que não quis comentá-la, mas disse que não antevia problemas nessa questão.
No caso da censura, três ministros votaram pelo acolhimento da reclamação do “Estado de S. Paulo” com base na decisão do Supremo sobre a Lei de Imprensa, cuja ementa afirma a certa altura que não há liberdade de imprensa “sob as tenazes da censura prévia, inclusive procedente do Poder Judiciário”.
A abrangência registrada na ementa redigida pelo ministro Carlos Ayres Britto teria desagradado a parte do colegiado, que estaria agora “refinando” a decisão.
O presidente do Supremo, Gilmar Mendes, não quis entrar em detalhes, mas disse que no caso da Lei de Imprensa não há divergência quanto ao resultado, a favor da liberdade de imprensa, mas quanto aos fundamentos da decisão pode haver “um oceano de divergências”.
Ele lembra que é impossível, sem paralisar os trabalhos, discutir colegiadamente a redação de uma ementa num tribunal que já chegou a ter cem mil delas.
Mas acha que é possível que as decisões com efeito vinculante possam ter as ementas mais discutidas antes de divulgadas.
O caso da decisão sobre a reserva indígena Raposa Serra do Sol foi o de uma ementa discutida em conjunto, para que todas os detalhes da decisão fossem registrados.
O presidente do Supremo admite que como os julgamentos são abertos ao público e televisionados, ao contrário dos da Corte Suprema dos Estados Unidos, as divergências ficam mais expostas, como comentou aqui o jurista Joaquim Falcão: “Mas não podemos alterar uma tradição histórica que traz vantagens em termos de publicidade e transparência nas tomadas de decisão”.
Especificamente quanto à reclamação do jornal “O Estado de S. Paulo”, o Supremo não a aceitou porque entendeu que ela só seria cabível se a decisão judicial de impedir a publicação de um processo contra Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney, ferisse uma decisão do Tribunal.
“Mas nós não nos pronunciamos sobre o tema específico”, relembra o ministro Gilmar Mendes, ressaltando que a lei criminaliza a divulgação de matéria sob segredo de Justiça. “Se nós tivéssemos decidido que vazamento de segredo de Justiça era publicável, aí a reclamação seria cabível”, afirma.
Já o deputado federal Miro Teixeira, autor da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que resultou na decisão do Supremo de considerar a Lei de Imprensa inconstitucional, acha que a reclamação deveria ter sido aceita pelo Supremo: “É um dever reafirmar a posição do relator Ayres Brito, porque sua ementa reflete a causa e a sessão de julgamento da Lei de Imprensa”.
Miro Teixeira afirma que a censura não é admissível no Brasil por força da Constituição “e também por força da decisão do Supremo sobre a ADPF”.
Para ele, “o constituinte de 1988 evitou que o poder derivado mexesse com essa liberdade que é a mais fundamental, é a partir dela que você assegura as outras liberdades. O descumprimento em relação às outras pode ser denunciado”.
Na definição de Miro Teixeira, a Constituição “criou um sistema de proteção ao que não é direito do acionista do jornal, não é direito do jornalista, é direito do cidadão, ter acesso à informação”.
Quando se vem para o caso concreto, lembra, vamos nos perguntar se a liberdade de imprensa “interessa ao povo ou àqueles que estavam botando dinheiro na meia?”.
Miro explica que Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental foi o instrumento escolhido, em vez da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) por que a Lei de Imprensa é anterior à Constituição de 1988 e “não cabe Ação Direta de Inconstitucionalidade contra leis que existiam antes da vigência de novo texto constitucional.
Assim decidiu o Supremo, assim se faz”.
Miro Teixeira, discordando do jurista Sérgio Bermudes, garante que a ADPF tem sim “eficácia contra todos” e “efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do poder público”, como ressalta do parágrafo 3o, do artigo 10, da Lei 9.882, de 3 de dezembro de 1999, que “dispõe sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental”, sob o comando do § 1odo art. 102 da Constituição Federal”.
Como considera que a ementa da decisão, redigida pelo ministro Carlos Ayres Britto, “reflete exatamente o que manda a Constituição e o que existe nos autos”, Miro diz que “opinar sobre ela é direito de cada um, afinal acabamos com a censura.
Tentar desqualificá-la, não.
Quem divergência tivesse poderia manifestá-la, a qualquer tempo”.
Mas o deputado comemora que “a inconstitucionalidade da famigerada Lei de Imprensa e da censura que nela estava embutida já transitou em julgado”.
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